| dc.description.communication | Usando da palavra, a Ministra Presidente realizou ato de desagravo público em razão das declarações proferidas pelo Ministro CARLOS AUGUSTO AMARAL OLIVEIRA, já registradas na ata de 30 de outubro do corrente ano, manifestando-se nos seguintes termos: Em atenção às declarações tornadas públicas em sessão desta Corte por Sua Excelência o Ministro Tenente-Brigadeiro do Ar Carlos Augusto Amaral Oliveira, em 30 de outubro deste ano, reafirmo — com serenidade e firmeza —, o sentido do gesto que pratiquei no ato público, inter-religioso, realizado na Catedral da Sé, em São Paulo, em 25 de outubro, por ocasião dos 50 anos do assassinato, sob tortura, do jornalista Vladimir Herzog. Naquela cerimônia, pedi perdão, falando em meu nome, na condição de Presidente do Superior Tribunal Militar, a todas as vítimas de graves violações de direitos humanos, à sociedade civil e à História do país. Tratou-se de gesto eticamente republicano e constitucionalmente afinado com a memória, a verdade e a não-repetição de violências, certa de que a dor transpassa o coletivo e que, muitos, como eu, tem registros de lágrimas derramadas por familiares martirizados pela ditadura. Diferentemente das palavras pronunciadas por Sua Excelência o Ministro Tenente-Brigadeiro do Ar Carlos Augusto Amaral Oliveira, conheço muito bem a história. Uma memória bem catalogada, onde não há dúvidas sobre seus contornos. Faço constar, por necessário, que minha manifestação foi proferida em primeira pessoa e na qualidade de Presidente do STM, em estrito limite institucional, investida que estou do múnus constitucional inerente ao cargo que exerço, e que independe de autorização plenária. Jamais foi atribuído ao conteúdo do meu pronunciamento, a expressão de opiniões individuais de quaisquer outros ministros! E no tocante à Sua Excelência Ministro Tenente-Brigadeiro do Ar Carlos Augusto Amaral, eu jamais teria o que dizer em seu nome! A tentativa de ampliar o alcance das minhas palavras demonstra pretexto para ataque pessoal. O próprio orador, ao afirmar que eu “não falasse em seu nome” e sugerir que eu devesse “estudar um pouco mais de história do Tribunal”, tornou inequívoco o viés pessoal e desqualificador da crítica. Por si só, o fato de somente após 217 anos da Justiça Militar, uma mulher ocupar a Presidência do STM sinaliza marco de ruptura em uma das instituições historicamente dominadas por homens, com estruturas hierárquicas permeadas por valores patriarcais. Por isso, diante deste cenário, registro minha trajetória acadêmica e profissional, não por vaidade, mas para repelir a desqualificação com viés de gênero, que historicamente tenta minimizar a autoridade técnica de mulheres em posições de liderança. Sou doutora com louvor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais, Mestra com distinção em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Católica Portuguesa e condecorada com doutorados honoris causae em universidades pátrias e estrangeiras. Fui aprovada em 1º lugar no concurso de procuradora federal da Advocacia Geral da União de onde sou egressa, escrevi vários livros e artigos publicados no Brasil e no exterior - um dos quais precisamente sobre O Golpe de 1964. Exerço a docência em universidades brasileiras e também como professora visitante nas estrangeiras. Tudo, conforme atesta meu currículo lattes publicado na plataforma do CNPQ, documento público, portanto, que esmiúça em 162 folhas as minhas atividades profissionais e científicas ao longo da vida. Por certo, a divergência de ideias é legítima. O que não é legítimo é o tom misógino, travestido de conselho paternalista sobre “estudar um pouco mais” a história de instituição, adotado pelo interlocutor. Uma instituição que integro há quase duas décadas e bem conheço. Essa agressão desrespeitosa não atinge apenas esta magistrada; atinge a magistratura feminina como um todo, a quem devo respeito e proteção. E nesse sentido, agradeço as manifestações recebidas pelas juízas, desembargadoras e ministras, pelas professoras, advogadas, juristas, enfim pelas mulheres e pelos homens filóginos que se manifestaram em apoio a minha pessoa. E será, por dever de ofício, de consciência e em prol das gerações futuras, que reafirmo hoje neste Plenário o compromisso feito na Catedral da Sé no dia 25 de outubro: o de resistir! Cumpre-me esclarecer que o gesto de pedir perdão não revisou o passado com intuito de humilhação, nem, tampouco, revestiu-se de ato político-partidário: foi ato de responsabilidade pública, inscrito na melhor tradição das instituições que reconhecem falhas históricas, para que não se repitam. Trata-se de um dever cívico-republicano, decorrente da Carta Magna e das convenções e tratados internacionais nos quais a República Federativa do Brasil é signatária. O pedido de perdão feito pela minha pessoa, na qualidade de Presidente da Justiça Militar da União, não é uma novidade na postura ética que norteia a atuação Judiciária. Recentemente, o então Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, o Ministro Luís Roberto Barroso, pediu perdão à senhora Maria da Penha Fernandes, em 7 de agosto de 2024, em nome de todo o Judiciário pátrio; gesto louvado precisamente por admitir as falhas e omissões judiciais e reforçar a dignidade humana. Seu pronunciamento repetiu-se em vários locais públicos, inclusive no plenário da Suprema Corte, sem qualquer confronto de seus pares. Dever público compreendido! Contudo, surpreendentemente, os contornos foram diferentes em meu pronunciamento. Um pedido de perdão deve ser enaltecido como um ato de maturidade democrática, baseado em princípios universais de reparação histórica. O que fiz, em razão das violações aos direitos humanos ocorridas no período da ditadura civil-militar (1964-1985), tem um significado inequívoco. Constitui um gesto de profundo respeito às vítimas e de compromisso com o Estado Democrático de Direito. A Constituição de 1988, nascida do trauma de 21 anos de regime autoritário, clausula como pétreos as garantias fundamentais inerentes à Pessoa. O artigo 1º, incisos III e V, juntamente com o artigo 5º, garantem-nas como invioláveis e estabelecem o direito à memória, à verdade e à reparação. Foram elas que sustentaram meu gesto. Elas e o juramento por mim firmado quando de minha investidura no Poder Judiciário de cumprir e de fazer cumprir as leis do país. Por certo, o debate crítico sobre decisões judiciais, inclusive sobre casos de enorme repercussão social, é legítimo — tal qual ocorreu com o processo conhecido como “caso dos 80 tiros”, no qual divergi veementemente, porém respeitosamente, de Sua Excelência o Ministro Tenente Brigadeiro do Ar Carlos Augusto Amaral, relator da apelação. A crítica jurídica cabe; ataques de cunho pessoal e misógino, não. Por fim, cumpre-me esclarecer as insinuações de ausência por 3 dias desta Corte feitas por Sua Excelência o Ministro Tenente Brigadeiro do Ar Carlos Augusto Amaral, o que o teria levado a proferir suas palavras ofensivas sem eu estar presente à sessão. Ao contrário do afirmado, eu me encontrava sim no STM, nos dias 28 e 29 de outubro. No dia 28 de outubro, estive fora do Plenário devido à comemoração do dia do Servidor Público na JMU, em virtude das homenagens realizadas quando proferi discurso de agradecimento aos serventuários da Justiça que, ao lado dos colaboradores e terceirizados, são os grandes responsáveis pelo bom funcionamento desta Jurisdição! Jamais me furtaria de lá estar! Já no dia 29 de outubro, em prosseguimento à companha de conscientização do outubro rosa, estive na palestra sobre O câncer de Mama, no auditório desta Casa, onde, novamente me pronunciei no encerramento. Finda a atividade, dirigi-me ao Pleno e presidi o restante da sessão de julgamento, fato olvidado por Sua Excelência o Ministro Tenente Brigadeiro do Ar Carlos Augusto Amaral, ocasião em que teria a oportunidade de malferir-me na minha presença. Finalmente no dia 30 de outubro, me ausentei efetivamente do STM por ter viajado para a cidade de Goiânia, para realizar palestra no Tribunal Regional do Trabalho, ao lado dos ilustres ministros do TST. É de sabença pública, sobretudo pelos Ministros desta Casa, a gratidão que a Justiça Militar Federal tem para com a Trabalhista que, neste ano, possibilitou que adquiríssemos a sede da 11ª Circunscrição Judiciária Militar. Isto gerará uma economia orçamentária mensal de 575 mil reais, totalizando 10 milhões de reais anuais para os cofres públicos. Portanto, aceitei e aceitarei todos os convites que me forem formulados por aquela Jurisdição a quem sou tão grata, tão amiga e tão próxima! Eu finalizo enfatizando o meu respeito aos colegas deste Plenário e à pluralidade de ideias. E, investida da autoridade constitucional que me outorga a Carta Cidadã, reitero o compromisso da minha Presidência com os direitos humanos e o regime democrático, bem como a urbanidade no trato institucional. É assim que a Justiça Militar da União serve, com honra, ao Estado brasileiro! | pt_BR |