SUPLEMENTO DA ATA DA 33ª SESSÃO, EM 02 DE MAIO DE 1980
Declaração de voto em separado, proferida
pelo Ministro Gualter Godinho, quando do
julgamento do Habeas Corpus 31.935 - São Paulo.
DECLARAÇÃO DE VOTO
"Senhor Presidente,
Senhores Ministros.
Permito-me tecer algumas considerações ao expender o meu voto sobre a matéria sub-examen que, diga-se de passagem, foi amplamente exposta e debatida, tanto pela ilustrada Defesa como pelo douta Procuradoria Geral.
Chamou a atenção do Plenário a afirmação inicialmente feita pelo ilustre advogado impetrante de que o dia de hoje representava um marco na história deste Tribunal e do próprio regime democrático em que vivemos, e isso em face das implicações de natureza jurídica e política que cercam o presente "right".
Ocorre, contudo, Sr. Presidente - é preciso que se ressalte -, ser defeso a esta Corte adentrar na apreciação dos aspectos políticos que envolvem a matéria sub-judice. Como foi realçado pelo Eminente Ministro Relator, afora o seu aspecto legal, não nos cabe examinar as razões subjetivas que justificaram a ação da autoridade que, no exercício do Poder de Policia do Estado, determinou a instauração do inquérito e a posterior prisão cautelar dos pacientes. Da mesma forma, também não nos cabe analisar os fatos ocorridos durante a greve em causa e o procedimento dos pacientes que precederam e teriam justificado a sua prisão.
Entendo dever ficar de vez fixada a posição deste Tribunal, como órgão do Poder Judiciário da Republica, no julgamento não apenas deste caso, como de todos os que vierem a ser submetidos à sua apreciação. O Superior Tribunal Militar - como de resto os demais Tribunais do país -, como integrante do Poder Judiciário deve irrestrita obediência aos preceitos constitucionais que o regem. A coexistência harmônica e independente dos três Poderes da República, constitui a essência da própria Democracia. Ao Poder Judiciário não cabe legislar. Esta é um função que está afeta ao Legislativo e ao próprio Executivo. Ao Poder Judiciário incumbe aplicar a lei, adatando os seus preceitos aos casos concretos que lhe compete examinar dentro da função jurisdicional própria dos órgãos que o compõem.
Daí dizer o consagrado jurista CARLOS MAXIMILIANO que conviria inscrever no pórtico dos Tribunais o aforismo de CELSO, inserto no Digesto, de que "saber as leis é conhecer-lhes, não as palavras, mas a força e o poder", isto é, o sentido e o alcance respectivos. A lei - é ainda o festejado tratadista quem diz -, é o conteúdo de vontade do Estado expresso em forma constitucional, persistindo autônoma, independente do complexo de tendências e pensamentos cooperantes em sua emanação e das volições algures manifestadas ou deixadas no campo intencional...
O que caracteriza o Estado de Direita é o predomínio da ordem jurídica sobre a vontade individual; é o principio imutável de que todos são iguais perante a lei; é o preceito inquestionável de que ninguém pode fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei; é a afirmação incontestável de que o cumprimento da lei é dever de todos, de todas as camadas sociais, de todos os segmentos da sociedade brasileira.
Vivemos num Estado de Direito, mercê de Deus, em que a todos e permitido bater às portas dos Tribunais, pedindo justiça, a restauração de direitos postergados ou ameaçados. Mas tudo dentre da lei, conforme com os preceitos constitucionais vigentes e de acordo com os superiores ditames do resguardo da ordem social.
Urge que todos, indistintamente, patrões e empregados, dirigentes e dirigidos, se conscientizem dos impostergáveis reclamos da Pátria brasileira, que hoje mais do que nunca necessita do espírito de compreensão e desprendimento de seus filhos, a fim de ultrapassar a grave crise por que passa em razão da conjuntura mundial e dos problemas internos que a afligem. Não basta que vivamos, pois, num Estado de Direito. Mister se faz que lutemos para preservá-lo.
Não obstante o caso sub-examen se revista de um caráter social que comove e traumatiza toda a Nação, nada pode ser feito para solucioná-lo fora do império da lei. E é unicamente sob esse aspecto legal que incide e se circunscreve a ação deste Tribunal. Cabe-nos examinar, na apreciação do presente habeas-corpus, se a prisão dos pacientes e sua permanência sob custódia estão conformes e escudadas nos preceitos legais aplicáveis; se a ordem de prisão emanou de autoridade competente; se do fato foi dada ciência à autoridade judiciária; se ainda remanesce o prazo legal para a conclusão do inquérito e detenção dos pacientes.
A defesa não opõe argumentos válidos contra o exercício do poder de polícia pela autoridade encarregada do inquérito ao efetuar a prisão dos pacientes. Insurge-se ela contra o preceito legal ordinário embasador do ato praticado pela autoridade policial (Artigo 53 da Lei nº 6 620/78), acoimando-o de inconstitucional. Rebela-se contra a prisão emanada de autoridade que não seja judicial. O inconformismo da defesa, todavia, como ficou sobejamente demonstrado nos debates havidos em Plenário e no voto do Eminente Ministro Relator, não tem razão de ser. O ordenamento constitucional invocado pelo próprio impetrante (Art. 153, § 12, da Const. Federal) prevê, de forma expressa, a realização de prisão por ordem escrita de autoridade competente.
De ponderar, outrossim, como realçado pelo Relator,que a ação da autoridade policial instauradora do inquérito de que resultou a detenção dos pacientes, está calcada em Convênio firmado pela Polícia Federal com o Governo do Estado de São Paulo, na estrita observância do que estatue o Artigo 54, § 1º, da vigente Lei de Segurança Nacional.
Sr. Presidente,
Srs. Ministros.
As presentes considerações foram feitas como uma reafirmação da certeza de que este Tribunal não está alheio a tudo que ocorre em nosso país. Mas nós Ministros, no exercício daquela que RUY considerou a mais nobre das profissões, não podemos deixar de exercer nossa missão dentro dos parâmetros que nos são impostos pela Carta Maior do pais de aplicadores e não fazedores de leis.
Como, in casu, é perfeitamente legal o ato impugnado pelo impetrante, não me resta outra alternativa senão a de acompanhar o brilhante voto do eminente Ministro Relator, tomando conhecimento mas negando a ordem."