SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR

ATA DA 1ª SESSÃO, EM 17 DE MARÇO DE 1967

PRESIDÊNCIA DO EXMO SR MINISTRO DR OCTÁVIO MURGEL DE REZENDE, VICE-PRESIDENTE.

PROCURADOR-GERAL DA JUSTIÇA MILITAR: O EXMO SR DR ERALDO GUEIROS LEITE.

SECRETÁRIO: CLÁUDIO ROSIÈRE, VICE-DIRETOR-GERAL.

Compareceram os Exmos Srs Ministros Dr João Romeiro Neto, Dr Orlando Moutinho Ribeiro da Costa, General-de-Exército Olympio Mourão Filho, General-de-Exército Pery Constant Bevilaqua, Tenente-Brigadeiro Armando Perdigão, Almirante-de-Esquadra Waldemar de Figueiredo Costa, Tenente-Brigadeiro Gabriel Grün Moss, Almirante-de-Esquadra José Santos de Saldanha da Gama, General-de-Exército Octacílio Terra Ururahy, Dr Alcides Vieira Carneiro e o Exmo Sr Ministro convocado, Dr. Waldemar Tôrres da Costa.

Deixou de comparecer à primeira parte da sessão, o Exmo Sr. Ministro Tenente-Brigadeiro Francisco de Assis Corrêa de Mello, com causa justificada.

Às treze horas, havendo número legal, foi aberta a Sessão.

Lida e sem debate, foi aprovada a ata da sessão anterior.

Foram a seguir, relatados e julgados os seguintes processos:

HABEAS-CORPUS

28 748 - Guanabara - Relator: O Exmo Sr Ministro Alm Esq.Figueiredo Costa. Paciente: Paulo Domingos Ventura Pinto, alegando que se encontra prêso, ilegalmente, no xadrez da Polícia do Exército na Vila Militar, desde 23 de janeiro de 1967 pede a concessão da ordem para ser pôsto em liberdade. Impetrante: Bichara Jacob Elmokdisi, adv. - Julgado prejudicado. (NÃO TOMOU PARTE NO JULGAMENTO O EXMO SR MIN DR RIBEIRO DA COSTA, POR NÃO TER ASSISTIDO AO RELATÓRIO).

28 747 - Rondônia - Relator: O Exmo Sr Ministro Ten Brig Armando Perdigão. Paciente: Rubens Ferreira, alegando constrangimento ilegal por parte do Ten.Cel Ney de Oliveira, Enc. de um IPM instaurado no 5º Btl de Eng e Construções, que o impede de se locomover a fim de receber tratamento médico fora daquele Território, pede a concessão da ordem para cessar o constrangimento a que está submetido. Impetrante: João Carlos Mader, Governador de Rondônia. Prejudicado o pedido por já ter cessado a proibição. (NÃO TOMOU PARTE NO JULGAMENTO O EXMO SR MIN DR RIBEIRO DA COSTA, POR NÃO TER ASSISTIDO AO RELATÓRIO).

28 734 - Paraná - Relator: O Exmo Sr Ministro Ten Brig Armando Perdigão. Pacientes: José Erico Floriani, Orlando Vitoria, Roberto Schmitz, Vendolino Hoffmann, José Matias, Hercilio Lucinski e Fredolino Hoffmann, civis, alegando estarem prêsos sofrendo constrangimento ilegal por parte do Sr.Cel. Comandante do 1º Btl de Fronteiras, impetraram HC ao Juiz de Direito da Comarca da Foz do Iguaçu, a fim de serem postos em liberdade. O Juízo da Comarca, dando-se por incompetente, determinou a remessa dos autos a êste Tribunal. - Prejudicado por já estarem os pacientes em liberdade. (NÃO TOMOU PARTE NO JULGAMENTO O EXMO SR MIN DR RIBEIRO DA COSTA, POR NÃO TER ASSISTIDO AO RELATÓRIO).

28 755 - Minas Gerais - Relator: O Exmo Sr Ministro Dr Romeiro Neto. Paciente: Francisco Marques Viana, alegando que se encontra prêso e recolhido ao Departamento de Vigilância Social, desde 10 de outubro de 1966, sofrendo constrangimento ilegal em sua liberdade de ir e vir, por parte da Auditoria da 4ª R.M. pede a consessão da ordem, para que seja pôsto em liberdade. Impetrante: O paciente. Unânimemente concedida a ordem para ser pôsto em liberdade, sem prejuízo do processo. (NÃO TOMARAM PARTE DO JULGAMENTO OS EXMOS SRS MINS DR RIBEIRO DA COSTA E GEN EX MOURÃO FILHO, POR NÃO TEREM ASSISTIDO AO RELATÓRIO).

28 758 - Guanabara - Relator: O Exmo Sr Ministro Gen Ex Pery Bevilaqua. Paciente: Moacir de Vasconcelos Filho, alegando que se acha sofrendo constrangimento ilegal por parte da Polícia do Exército, estando prêso desde o dia 13 do corrente, sem culpa formada, pede a concessão da ordem para ser pôsto em liberdade. Impetrante: Júlio Borges Leitão, adv. - Julgado prejudicado.

28 749 - Guanabara - Relator: O Exmo Sr Ministro Ten Brig Grün Moss. Paciente: Sebastião Ferreira Soares, alegando que se encontra prêso incomunicável, sofrendo constrangimento ilegal em sua liberdade de ir e vir, à disposição da Polícia do Exército, na Vila Militar, pede a concessão da ordem. Impetrante: Naldyr Pimenta, adv. - Unânimemente concedida a ordem, por excesso de prazo, se por a1 não estiver prêso.

28 730 - Pará - Relator: O Exmo Sr Ministro Dr Romeiro Neto. Paciente: Nazareno Dib Taxi, alegando ter sido denunciado perante à Aud. da 8ª RM, como incurso nos arts 2º, nº IV, 10, 13 e 17 da Lei 1802, pede a concessão da ordem para ser excluído da Denúncia, por falta de justa causa. Impetrante: Odilson Ferreira Novo, adv. - Negada a ordem contra o voto do Exmo Sr Min Gen Ex Pery Bevilaqua que a concedia.

28 743 - Paraná Relator: O Exmo Sr Min Dr Romeiro Neto. Paciente: Carlos Augusto Menezes de Souza, sargento, alegando estar denunciado perante à Aud. da 5a RM., como incurso nos arts. 123, 133 e 134 do CPM., pede a concessão da ordem para ser excluído da Denúncia por falta de justa causa e para ser reconhecido o direito do paciente ser licenciado do Exército Impetrante: Manoel Magalhães de Abreu, adv. -Concedida a ordem para ser excluído da denúncia, contra os votos dos Exmos Srs Mins Gen Ex Terra Ururahy, Alm Esq Saldanha da Gama, Ten Brig Grün Moss e Dr Ribeiro da Costa. (NÃO TOMOU PARTE NO JULGAMENTO O EXMO SR MIN DR WALDEMAR TÔRRES DA COSTA, POR NÃO TER ASSISTIDO AO RELATÓRIO).

28 736 - Guanabara- Relator: O Exmo Sr Ministro Ten Brig Grün Moss. Paciente: Manoel da Costa Barros ou Manoel de Barros, alegando ter sido denunciado perante à Aud. da 4ª RM, como incurso no art. 2º, item IV, 7, 9 e 11, letras "a" e "b" do art 15 da Lei 1802 e art. 4º da mesma Lei, comb com o art 6º do CPM, pede a concessão da ordem para que seja excluído da Denúncia, por inépcia da mesma. Impetrante: José de Jesus Lopes, adv. - Negada a ordem contra o voto do Exmo Sr Min Gen Ex Pery Bevilaqua que a concedia. (NÃO TOMOU PARTE NO JULGAMENTO O EXMO SR MIN GEN EX MOURÃO FILHO, POR NÃO TER ASSISTIDO AO RELATÓRIO).

28 764 - São Paulo - Relator: O Exmo Sr Ministro Alm Esq Saldanha da Gama. Pacientes: Braz Lopes, Francisco Nascimento, Walter Moreira da Silva, Rubens Roque Martins, Antonio Brito de Almeida, Hely Gomes de Oliveira, Milton Fioravante Ramassote, Milton Fernandes Regatão, Philomeno Piticelia, Pedro Felicio e Milton Hermes Bezerra, alegando estarem denunciados perante a 2a Aud. da 2a R.M., como incursos nos arts 133, 134 do CPM., comb com o art 2º nº III da Lei nº 1802/53, pedem a concessão da ordem para o fim de ser trancada a ação, por falta de justa causa. Impetrante: Juarez A.A. de Alencar. - Não tomaram conhecimento contra os votos dos Exmos Srs Mins Gen Ex Pery Bevilaqua e Gen Ex Mourão Filho que concediam. Os Exmos Srs Mins Ten Brig Gabriel Grun Moss, Alm Esq Figueiredo Costa e Dr Romeiro Neto, negavam a ordem.

A seguir, o Tribunal, apreciando expediente administrativo apresentado pelo Exmo Sr Ministro-Presidente, resolveu:

- promover o Auxiliar-de-Portaria símbolo PJ-9, AUGUSTO CONCEIÇÃO DE SOUZA, ao cargo de Auxiliar-de-Portaria, símbolo PJ-8 e aposentá-lo, a pedido, no cargo a que é promovido, nos têrmos dos arts. 1º e 2º da Lei nº 3 906, de 19-6-61, com os proventos de Porteiro, símbolo PJ-6, de conformidade com os arts 345, inciso IV, da Resolução nº 6, de 1960, do Senado Federal e 193, inciso IV da Resolução nº 67, de 1962, da Câmara dos Deputados, combinadas estas duas Resoluções com o art 1º da Resolução nº 37, de 1962, do Senado Federal, art 1º da Resolução nº 76, de 1964, da Câmara dos Deputados, incorporando-se aos proventos da inatividade a gratificação adicional por tempo de serviço que vem percebendo, nos têrmos dos arts 319, § 4º da Resolução nº 6, de 1960, do Senado Federal e 171, § 3º da Resolução nº 67, de 1962, da Câmara dos Deputados, ex-vi da Lei nº 1.675, de 1952, revigorada pelo art 24 da Lei nº 4.083 de 1962, e tendo em vista, ainda o § 1º do art. 177, da Constituição Federal.

- Nomear, por acesso, o Auxiliar-de-Limpeza ALBERTO GUEDES MONTEIRO, ao cargo de Auxiliar-de-Portaria, símbolo PJ-9, nos têrmos do art 14, item III, da Lei nº 4.083/62, em vaga decorrente da aposentadoria de Augusto Conceição de Souza.

- Nomear JOÃO PINTO TENÓRIO, para o cargo de Auxiliar-de-Limpeza, símbolo PJ-10, pelo critério de merecimento, na vaga aberta com a nomeação por acesso de Alberto Guedes Monteiro, de acôrdo com o art 12, § único da Lei nº 4.083, de 1962, combinado com os arts. 1º, 3º e 4º, das Instruções baixadas pelo Tribunal em sessão de 2-1-63.

- Nomear ARIOVALDO BARIONI CAMBRAIA, para o cargo de Oficial de Justiça, Símbolo PJ-8, de 1ª entrância, do Quadro dos Cartórios das Auditorias Militares, nos têrmos dos arts. 19 e 25 da Lei 4.083, de 1962, combinados com o art 13 da Lei 1 711, de 1952, em vaga decorrente da aposentadoria, a pedido, de Luiz Gonzaga de Oliveira Paiva.

A seguir, foi dado conhecimento ao Tribunal do teor do telegrama em que o Exmo Sr Ministro Luiz Galotti agradece ao Exmo Sr Ministro Dr Ribeiro da Costa e ao Tribunal, as homenagens que lhe foram prestadas.

Em seguida, o Exmo Sr Ministro Gen Ex Mourão Filho, propôs ao Tribunal um voto de louvor ao Exmo Sr Ministro Dr Murgel de Rezende, pela dedicação aos trabalhos do Tribunal, o que foi aprovado por aclamação de acôrdo com a proposta do Exmo Sr Ministro Ten Brig Armando Perdigão.

POSSE DO PRESIDENTE DO S T M

Em seguida o Exmo Sr Ministro Dr Murgel de Rezende, Vice-Presidente, no exercício da Presidência, declarou empossado o Exmo Sr Ministro General-de-Exército Olympio Mourão Filho, no cargo de Presidente do Superior Tribunal Militar, passando a palavra a Sua Excelência.

Assumindo a Presidência, o Exmo Sr Ministro Olympio Mourão Filho, passou a palavra ao Exmo Sr Ministro Alm Esq Figueiredo Costa, que saudou o novo Presidente, em nome dos demais Srs Ministros do STM.

Em seguida usou da palavra o Exmo Sr Dr Eraldo Gueiros Leite, Procurador-Geral da J.M. que em rápidas palavras saudou o nôvo Presidente em seu nome e no do Ministério Público.

Com a palavra o Dr Heleno C. Fragoso, saudou o nôvo Presidente do STM, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil, seguindo-se com a palavra o Dr Heráclito Sobral Pinto, que também saudou o nôvo Presidente, em nome do Instituto dos Advogados Brasileiros.

Com a palavra o Exmo Sr Ministro-Presidente Gen Ex Olympio Mourão Filho, assim se expressou: "Devo agradecer a Vossas Excelências, Senhores Ministros, a honra que me conferiram, alçando-me ao elevado e difícil pôsto de Presidente da Suprema Instância da Justiça Militar. Durante tôda minha movimentada vida de soldado, jamais cortejei honrarias, postos e condecorações. Ao contrário, no serviço da Pátria, sempre sacrifiquei a carreira, encarando seus degraus como meios de trabalhar pelo Brasil e não como um fim que, em última análise, constitui ó carreirismo, êsse câncer que tanto mal vem fazendo a Nação. Por fôrça desta atitude que inclui sempre o desprêzo pela vida, quando em jôgo o dever, cada ascensão constitui uma surprêsa, um acontecimento inesperado. Assim, sucedeu com meu ingresso no seio dêste Tribunal, trincheira invencível da Justiça Democrática. Aqui, julga-se de acôrdo com a Lei Penal e a prova dos autos. Por certo que na fachada dêste Tribunal não há lugar para a dramática divisa: Vae Victis! Segundo Carrara "o direito de punir, nas mãos de Deus, não possui outra norma senão a justiça. Nas mais do homem, não se legitima senão pelo imperativo da defesa da sociedade; porque a êle é concedido apenas enquanto ocorre a conservação dos direitos da humanidade.” Deve ser entendida a tutela de direitos, sob o duplo aspecto da justiça como origem divina e defesa da sociedade como delegação ao homem. Senhores Ministros! Quando foi da posse do Presidente, meu antecessor, solicitou-me o eminente Ministro, Vice-Presidente, que eu o saudasse em nome do Tribunal. Em minha oração simples e desataviada, falei das graves preocupações que deveriam naquele momento solene dominar sua mente. Pois bem, elas estão presentes no meu espírito e pesam-me de tal modo que por si sós seriam suficientes para anular quaisquer vaidades pelo acesso a êste pôsto. Porque pesada, sem dúvida, é a missão que devo desempenhar em nome do Tribunal. Em primeiro lugar, o problema grave de defêsa de prestígio da Justiça Militar perante a Administração Pública, o Govêrno e o povo. Modificou-se a estrutura dêste Tribunal, saltando-se por cima da velha tradição de multisecular experiência e ampliou-se consideravelmente o raio de esfera das atribuições da Justiça Militar. Chegou-se, além disto, ao cúmulo do desrespeito ao Poder Judiciário, demitindo-se um Juiz militar e retirando-lhe os direitos políticos, sem que êste Tribunal fôsse consultado ou sequer informado. A extensão da Justiça Militar para o julgamento de civis em todos os crimes definidos na Lei de Segurança, transforma o país, na expressão exata de um ilustre Ministro dêste Tribunal, num vasto páteo de quartel, De par com êste manifesto desprêzo e pouco caso pela superior instância da Justiça Militar, ainda sofrem os magistrados a desconsideração da Administração na questão dos proventos. Ela vem desobedecendo claramente o dispositivo constitucional então em vigôr. - parágrafo único do artigo 106 da Constituição de 1946. Recusa-se a reconhecer a paridade ali estabelecida. Em lugar porém, de declarar expressamente sua decisão para que os prejudicados possam se socorrer do Supremo Tribunal Federal, profere o artifício da procrastinação, despachando a questão para a Consultoria da República, onde dorme na gaveta, hibernada, sem solução. Não contente com isto, a Administração em um inominável luxo de discricionarismo, de arbitrariedade, ordena e é obedecida, sem qualquer mandato judicial, o bloqueio das contas correntes bancárias de magistrados que não cometeram crime algum, visando com esta determinação abusiva, inqualificável, corrigir um próprio ato seu. Mantemos a mais viva esperança, acompanhando a maioria do povo brasileiro, de que o atual govêrno empossado há dois dias, jamais admitirá desrespeitos aos Tribunais da União. Possamos, então, exclamar como David Hume: "Nossa frota, nosso Exército, nossas finanças, nosso parlamento, tudo isto existe para assegurar um único fim: independência dos doze grandes Juízes da Inglaterra." Além disso, a justiça militar não era, e não é própria para o julgamento de civis implicados na ampla subversão, em grande escala. Sua estrutura, nascida das necessidades muito limitadas de distribuir justiça a militares, não comparta a ampliação de sua competência. E mais, operando com artigo 156 do Código da Justiça, o qual permite ao encarregado de inquérito prender por 30 dias e mais 20, sem sequer a obrigação de representar ao juiz sôbre a necessidade de privação da liberdade do indiciado, por um tempo tão prolongado, possui a Administração poderes ditatoriais. Não se sabe de outro Código no mundo que permita um tamanho atentado contra a liberdade do cidadão, por parte da autoridade administrativa. Nosso Código de Processo Penal que não pode merecer o adjetivo de liberal, de gênese mais que suspeita, porque do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, em plenas trevas ditatoriais, não dá à autoridade administrativa o poder de prender. Sòmente o juiz, poderá decretar a prisão preventiva. O artigo 156 do Código da Justiça Militar é uma excrecência jurídica, delira do direito da liberdade de locomoção e não é admissível sequer para os militares. Não é pois aceitável que um encarregado do IPM possua semelhante poder sôbre os civis. Urge, pois, uma reforma a começar pelo nome que deve ser o do Código de Processo Penal Militar. De resto, as teses do I Congresso de Direito Penal Militar jazem no esquecimento e é necessário retomá-las. De par com esta situação de crise teve a Justiça Militar, especialmente esta Superior Instância, de resistir aos impulsos vermiculares do sub-consciente revolucionário da massa militar que pretendeu influir nas decisões, pedindo a cominação de penas a comunistas e pseudo comunistas, sem provas de atos criminosos e a aplicação do artigo 2º, item 3º da Lei nº 1.802, quando até o presente nenhuma prova foi colhida de que houve ações criminosas coincidentes com o perfil recortado do ilícito penal referido. Não era fácil convencer especialmente a mocidade militar de que a decisão só pode ser baseada na prova e nunca na presunção. A prova dos Autos é o fulcro da garantia democrática do direito à liberdade e do direito do delinqüente de não sofrer pena maior do que a cominada em lei e aplicada pelo juiz. A única acusação, ainda que provada, de ser comunista um cidadão, não autoriza o juiz a condená-lo, simplesmente, porque da lei penal não consta como ilícito e é da índole do nosso direito, expresso na Constituição, que o delito de opinião não existe. Nullum delictum, nulla poena sine previa lege poenal é a síntese do pensamento de Feurbach para exprimir uma antiga conquista do direito penal democrático. A lei penal é um sistema fechado e se, porventura, alguma lacuna se apresentar, não é licito ao juiz procurar suprí-la pelo arbítrio judicial, pela analogia, pelos princípios gerais de direito ou aplicando mesmo o direito consuotudinário. Não existe direito vagando fora da lei, assim o diz em lapidar proposição Mestre Nelson Hungria. A fonte única do direito penal é a norma legal. Em matéria penal não se pode distinguir entre lei e direito. O indivíduo não fere a licitude jurídica penal quando comete algum ato mesmo ante-social, passível de reprovação pública, quando êste fato não foi previsto pelo legislador e não coincide perfeitamente com a parte objecti e a parte subjecti, de um dos esquemas definidores in abstrato e anterior ao cometimento. E, neste caso, nada deve à Lei a nenhuma sanção lhe pode ser aplicável. Assim pode se dizer com Von Liszt que os Códigos Penais modernos são a Magna Charta libertatum dos delinqüentes. O que não esta definido como ilicitude é permitido, “Permittituir quod prohibetur”. E êste é um dos Princípios básicos da tutela do direito de locomoção. E também, como conseqüência, corolário dêste princípio, nemo consetur ignorare logom que, por sua vez, é escudado pela regra ignorantia legis nos excusat, que o nosso direito penal expressa-se como "a ignorância da lei não aproveita ao criminoso”. Ora, é evidente que se a lei penal não constituísse em essência um sistema fechado, permitisse a existência do direito vagando fora, as regras acima expostas entrariam em delírio com as normas, o indivíduo passaria a viver sem segurança e o mêdo dominaria a sociedade inteira. Então, uma pseudo-justiça passaria a ser distribuída pelo arbitrium judicis e os Tribunais assumiriam o tôrvo aspecto de um sodalício de Erinias, como no célebre drama Gazza ladra que tanto impressionou Carrara e desviou-lhe da poesia para o direito penal, iluminando o mundo democrático com sua doutrina. De resto, é da magistral definição de Carrara que se deduz o caráter filosófico da lei penal como sistema fechado. Segundo o imortal penalista o delito não é um ente de fato, mais um ente jurídico, ou, o que é o mesmo, "O delito é um ser jurídico constituído pela relação de contradição entre um fato e a lei: não pode existir contradição entre aquilo que se faz e uma norma ainda inexistente." Devemos prestar atenção no que acabo de dizer e no que se segue, e proclamar com ênfase, para que tôda a sociedade disto se convença, isto retenha na memória: o primeiro bastião da democracia que é tomado de assalto pelas ditaduras, especialmente as totalitárias, é êste princípio do direito penal que é básico da democracia. Assim, na Alemanha de Hitler tinha pleno vigor o horrido princípio "Gesetz ist, was der Führer befiehlt", isto é, "A lei é o que o Führer ordena," Siegert, professor da Universidade de Goettingen não se pejou de postular: "Devemos seguir as proclamações do Führer como linhas de direção, a mostrar-nos, dentro do espírito nacional-socialista, o justo caminho para o reconhecimento e solução das concretas situações de fato." Pela mesma trilha monstruosa transitaram Freisler e Schaffstein e os autoritários-conservadores Oetker e Nagler, seguidores de outros criminalistas italianos a serviço do fascismo. Nos comentários do insigne Mestre Nelson Hungria encontra-se citado êste monstruoso dispositivo, aprovado pela StrafrechtsKomission, Comissão de Direito Penal, nomeada por Hitler em 1933 e que pode ser resumido com a seguinte regra: Kein Verbrechen Ohne Straie, não há crime sem pena: "Se o fato não é expressamente declarado punível, mas um fato semelhante é ameaçado com pena na lei, deve esta ser aplicada, se o respectivo pensamento fundamental e a sã opinião do povo exigirem a punição". Esta regra é, nem mais nem menos, do que a aplicação da analogia em direito penal, já repudiada pelo direito romano, desde a instituição das questiones, em substituição do tribunal popular pois, somente podia ser punida a ação precisamente definida em lei, não se admitindo a analogia, desde Silla e da ordo judiciorum publicorum. E a analogia também não pode ser admitida in bonam partem. Em I776 a Constituição da Virginia, proibia taxativa e expressamente a lei expost facto em matéria penal. E Lafayette transportor a mesma proibição para a declaração de direitos da Resolução Francesa, por coincidência, no mesmo artigo 8º da Constituição da Virgínia assim expressa: "Nul, ne pent être puni qu'en vertu d'une lei etablie et promulgée anterieurement au delit et légalement appliquée”. Êste princípio de direito penal que teve gênese política, depois foi defendido por Feuerbah que demonstrou que, além, do critério político, tem um fundamento teleológico, científico, jurídico-penal pois que a tutela de direito baseia-se na coação psicológica, exercida pela pena e êste efeito predispõe necessàriamente a anterioridade. A conquista do princípio da não retroatividade da lei penal deve-se especialmente ao Direito Canônico. Santo Ambrósio assim lhe deu expressão: A pena de um crime é a da norma que o reprimiu: nem se dá condenação alguma antes da lei, porém em virtude da lei. O Papa Gregório III confirmou-o. As duas Constituições Francesas de 24 de junho de 1793, a de Frutidor do Ano III também proibem a retroatividade e em 1787 a Constituição Americana vedou a aplicabilidade da lei penal retroativa - ex post facto law. Em nosso país, antes da Independência o princìpio já estava consagrado na lei de 4 de dezembro de 1606 e no alvará de 8 de julho de 1715 nos assuntos da Casa de Suplicação de 4 de maio de 1754, de 8 de agôsto de 1758, 23 de novembro de 1769, 5 de dezembro de 1770 e no alvará de 27 de abril de 1770: Também a Constituição Imperial, de 1824, no inciso XI do artigo 179 postulou: Ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente, por virtude de lei anterior. A Constituição de 1891 proibia aos Estados prescrever leis retroativas, a de 1934 no número 26 do artigo 113 determinava: Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, em virtude da lei anterior ao fato, e na forma por ela prevista, repetindo assim o disposto no inciso XI da Constituição Imperial de 1824. O Código Penal de 1890 e o de 1940 em seu artigo 1º reza: Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. De resto, justifica-se a proibição da retroatividade, a de condenação do crime sem lei anterior que o defina, a da analogia, a da extensão, e mesmo a da compreensão, com o princípio geral de aplicação da norma compulsória que segundo Carlos Maximiliano, citando Tobias Barreto, impera em um círculo de ação; sua eficária tem limite; êstes constituem a sua relatividade. A primeira relatividade do preceito penal é determinada pelo tempo, a segunda pelo espaço, a terceira pela condição das pessoas, ou concluindo: tôda lei civil ou criminal está sujeita a três ordens de condições, que poderiam assim denominar-se cronológicas, geográficas e sociais ou políticas. Ora, na condição de tempo a eficácia, evidentemente, só existe se a lei antecede o crime. É ainda Carmos Maximiliano, quem diz no seu tratado de Hermeneutica, apesar do seu liberalismo quanto à interpretação. "Esta só compreende, porém, os casos que especifica. Não se permite estendê-lo, por analogia ou paridade, para qualificar faltas reprimíveis ou lhes aplicar penas; não se conclui, por indução, de uma espécie criminal estabelecida para outra não expressa, embora ao Juiz pareça ocorrer na segunda hipótese a mesma razão de punir verificada na primeira." E adiante: "Não continua o processo, nem condenam o indiciado, se não ocorrem os dois requisitos seguintes: 1º - constituirem os fatos da causa tal, delito previsto pelo artigo tal; 2º - cominar esta pena tal para a violação das injunções ou proibições que ela encerra." - êle ainda nos ensina que a analogia formula preceito novo para resolver hipótese não prevista de modo explícito, nem implícito em norma alguma. A analogia é verdadeiramente uma forma da produção de direito novo. É inaceitável em direito penal. Perdoai minha insistência e ênfase no assunto. Desejo deixar bem claro, ser indispensável fazermos esta sã doutrina do Direito Penal extravasar da esfera da alta cultura dos juristas e derramar-se sôbre outras camadas sociais, a fim de servir de base sólida ao pensamento político nacional, desencorajando, impedindo mesmo, que falsos líderes ou líderes ignorantes levem a Nação a dar guinadas odiosas para a direita, para o absolutismo, matando a liberdade em nome da própria liberdade. Do contrário para vergonha nossa, pode se repetir o que sucedeu com o Decreto-Lei número 4.166, de 11 março de 1942, dispondo sôbre indenização de danos de guerras que, além de incriminar genericamente a ação ou omissão dolosa ou culposa, contra patrimônio, ou "tendente a fraudar os objetos desta lei", monstruosamente, declarou no parágrafo 3º do artigo 5º que para a caracterização do crime o Juiz poderá recorrer à analogia. Dêste modo, foram condenados até 30 anos, pseudos réus, cujas ações antecederam ao famigerado Decreto-lei que foi distilado, de um govêrno francamente partidário do nazismo no princípio da guerra. Não posso deixar de fazer uma referência condenatória à Lei de Segurança Nacional que em um dos seus artigos empresta a simples denúncia o efeito de afastar do cargo o denunciado. Nosso país é signatário de uma convenção internacional que nos obriga a considerar inocentes o acusado, até sua condenação. A Lei de Segurança atenta contra a liberdade dos cidadãos. Meus Senhores: É do meu dever dirigir-me agora aos meus camaradas das Fôrças Armadas, os quais, em 31 de março de 1964; afastaram um govêrno que comandava a subversão comunista contra a Nação, pedindo-lhes que reflitam, sem paixão, sôbre os dois pontos seguintes: Em primeiro lugar, a punição não pode se constituir em objetivo primordial da Revolução. Com o afastamento do govêrno subversivo, o Poder Judiciário, em seus vários escalões, tem liberdade ampla para distribuir justiça. A Revolução, pelos detentores do Poder, e aqui não lhes discuto a legitimidade, se êles procurarem realiza-la efetivamente, precisa encontrar seu verdadeiro leito de onde poderá afastar as causas da inflação, corrupção e subversão que ela combateu e venceu na primeira fase de luta a qual não terminou ainda. Punição não é o remédio contra crime político. Urge fazer desaparecer totalmente as causas dos males que nos inquietavam e nos punham em perigo. Estão, à vista de todos, os principais que são o desequilíbrio dos três poderes da República, gerado pelo excesso dêstes atribuidos a um dêles e o outro é a sórdida politicagem profissional cujo problema de sobrevivência tem o efeito inevitável de bastardamento da representação do chefe do executivo. Devemos não perder de vista, que há uma certa lei de quase simetria, regendo as ações políticas. A cada ação da direita, corresponde uma outra mais intensa e sempre mais perigosa, da esquerda. Não se evita o comunismo com o remédio repugnante dos regimes autoritários, tanto mais quanto, mais cedo ou mais tarde, adormece dialéticamente a vigilância e um tipo de político subversivo ou corrupto apossa-se do Poder e quanto mais forte o govêrno, mais facilmente domina a Nação. Do mesmo modo, uma fuga muito exagerada, e por conseguinte viciosa, dos rumos da direita pode produzir efeito Doppler no espectro político que se deslocará para o vermelho. Minhas Senhoras e meus Senhores: Outros problemas, tais como a questão inevitável da mudança para Brasília, porque êste Tribunal caduca fora da capital da República, habitando uma sede que já apresenta a alguns aspectos, franca marcha para a tapéra e cuja reforma não mais interessa; problema como o de pessoal e dos quadros também em rarefação, agravada pela extensão da competência, tudo pesando sôbre os nossos ombros em geral, e em particular sôbre os meus, pois, que dever é o meu embora par de Vossas Excelências, Senhores Ministros, equacioná-los e procurar resolvê-los com a delegação que Vossas Excelências me atribuiram. No mais, para terminar, depois de agradecer a presença aqui de todos que a isto não estavam obrigados por dever de ofício, quero exprimir finalmente minha certeza de que o direito tem sido e continuará a ser um fenômeno, irredutível pelas fôrças do mal, da hominização que em tempos últimos, no fim dêste século, impregrado do Cristianismo que o informa permanentemente, ficará próprio do enrolamento final sôbre si mesmo, na Noosfera, em direção ao ponto Omega de Teilhard de Chardin, última etapa da evolução de vida no Cosmos. Tenho dito.”

A sessão foi encerrada com os seguintes processos em mesa:

PETIÇÃO: 208(AP)

HABEAS-CORPUS:

28 762 (GM) - 28 761 (FC) - 28 754 (WT).