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CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DO MARECHAL DO EXÉRCITO E MINISTRO DO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR, MÁRIO ARY PIRES, NASCIDO EM 08 DE OUTUBRO DE 1882.

Palavras proferidas pelo Ministro General-de-Exército CARLOS ALBERTO CABRAL RIBEIRO, na Sessão do STM, do dia outubro de 1982.

Senhor Presidente!

Senhores Ministros!

Completa-se hoje cem anos do nascimento do Marechal do Exército e Ministro deste STM, MÁRIO ARY PIRES a não será demais tudo que for feito como homenagem a esta figura perfeita de chefe de Família, cidadão, militar e Juiz, que chegou a Presidência desta Egrégia Corte É este, pois, o motivo destas ligeiras recordações da vida do grande homem, que tanto ilustrou o Exército e o Tribunal e que grande foi por sua humildade e respeito pelos pequenos, que sempre amou e defendeu.

Na então província de São Pedro do Rio Grande do Sul,no vilarejo do Pontal da Barra, no dia 08 de outubro de 1882, nascia MÁRIO ARY PIRES, numa das poucas casas existentes ao pé do Farol a da Atalaia, que ali assinalava aos navegantes a entrada do canal de acesso ao porto da Cidade do Rio Grande. Era a época das exaltações gaúchas da propaganda republicana a das lutas estentóricas do segundo império.

Filho de João Pires da Silva e D. Maria Cândida de Oliveira Pires, teve a infância normal dos meninos de sua época, que, da um modo geral, sofriam deficiências econômicas a aquelas provenientes de uma era de agitações a revoltas além das conseqüentes dos preconceitos impostos pelas tradições familiares.

Seu curso primário foi muito afetado pelas numerosas remoções do seu pai com as conseqüentes e sucessivas interrupções O curso ginasial foi iniciado com promissor aproveitamento,impulsionado pelo incentivo de sua desvelada genitora.

Durante a cruenta revolução de 1983, já na República, a geração de ARY PIRES sofreu em sua carne os embates da guerra civil. Neste quadro, o então menino, já admirador das iniciativas impostas pelas circunstâncias e da liberdade pregada pelos teóricos do positivismo, fez-se telegrafista, e nesse serviço público revelou habilidade e colheu recursos para estudar Humanidades.

Em 1897, próximo de sua matrícula na Escola Militar de Porto Alegre, quando ia prestar vários exames preparatórios a fim de melhor habilitar-se à matrícula sofreu séria fratura no braço direito com isso perdendo a época dos exames e, assim o ensejo de matricular-se naquela instituto de ensino, seu grande ideal.

Seu pai, após atingir o vértice da carreira que abraçara no início de sua vida pública, foi compelido a iniciar nova profissão, aceitando o convite para trabalhar na construção da estrada Santa Maria-Itararé, que então avançava de Cruz Alta para Passo Fundo.

Em decorrência do novo emprego, contraiu aquele exemplar chefe de Família vultoso empréstimo para atender o transporte e a instalação de sua numerosa família, como ainda para garantir a sobrevivência desta durante as primeiros meses de estada no novo pouso.

Em virtude de tais circunstâncias, os filhos mais velhos do casal - um de 15 e outro de 14 anos de idade - para aliviar as despesas da família, interromperam o curso ginasial e, de livre e expontânea vontade, assumiram o compromisso, cada um deles, de manter a própria subsistência, com o fruto de seu trabalho.

Aceitando pacificamente tais injunções, sem ressentimentos nem desesperanças, o jovem candidato a Escola Militar, em fevereiro de 1898 se viu caixeiro de conceituada casa de comércio da cidade de Santa Maria da Boca do Monte, e, logo depois designado para auxiliar do guarda-livros, no movimentado escritório central, Além dos trabalhos do correspondência a escrituração mercantil revia as minutas dos discursos, relatórios e balancetes elaborados periodicamente pelo boníssimo chefe da firma, que também dirigia alguns serviços sociais de utilidade pública e presidia várias associações de classe.

Na intenção da atualizar tudo quanto aprendera até então, passava horas lendo e estudando nas bibliotecas dos clubes locais, estabelecendo estreito relacionamento com um selecionado grupo de moços empenhados em participar do movimento literário, artístico, educativo e cívico que, então, animava a sociedade de Santa Maria.

Mesmo aqueles tempos era duro para os filhos das famílias pobres, porém honestas e probas, vencerem o desnível econômico, sem perderem seus objetivos e ideais: era preciso não se envergonharem do trabalho que a pobreza lhes impunha, não se intimidarem com as dificuldades para justificar a falta de estudo, mourejarem com pertinácia e paciência sem perder de vista o objetivo que perseguiam destemerosos. E, quando venciam, não esqueciam nem escondiam nunca o passado necessitado, não se deslumbravam com as benesses da vitória, não lhes subiam à cabeça os galardões recebidos e se mantinham dignos da formação honrada  recebida de seus maiores.

No início do século, diz o Gen. PANTALEÃO DA SILVA PESSOA, falando do amigo, "depois de tirar alguns preparatórios, no dia 26 de março de 1982, ingressava na Escola Preparatória de Tática de Rio Pardo o, daí por diante, só teve seu estudo per turbado pela revolta da Escola Militar da Praia Vermelha, em 14 de novembro de 1904, contra a vacina obrigatória. Nessa revolta. deu MÁRIO ARY PIRES a primeira grande prova de seu caráter e energia, lutando, na medida do possível, para dissuadir seus camaradas da idéia de acompanharem aquela reação que considerava absurda, apaixonada e característica de uma política decadente. Vencido e em plena reação, correndo todos os riscos com que a tradição escolar o ameaçava, mostrando o ilogismo de uma solidariedade que negava o dever e a capacidade do acadêmico, preferiu a fuga perigosa sob a perseguição das sentinelas, pela encosta da Urca, para a Fortaleza de São João, a submeter sua convicções. Vencida a revolta, nunca fez alarde do seu acerto nem dele se aproveitou"

Fechada a Escola Militar, seus alunos, após apressadas sindicâncias, foram, uns expulsos a bem da disciplina, outros desligados e mandados incluir, como soldados, nos corpos de tropa.

O cadete MÁRIO ARY PIRES, já como soldado, foi mandado para o 12º Batalhão de Infantaria, em Lorena, que estava empregado nos trabalhos de construção do ramal ferroviário da cidade de Piquete - antiga Fazenda Amarela -, sendo-lhe atribuídas árduas tarefas e encargos, que nem assim lhe tiraram a esperança de voltar a ser Oficial do Exército.

Por iniciativa do senador Rui Barbosa, em 1905, o Congresso Nacional votou a lei de anistia geral para os ex -alunos da Escola Militar o que possibilitou sua matrícula em uma das novas escolas criadas pela reforma do ensino militar de fevereiro de 1906.

Declarado Aspirante-a-Oficial em 15 de fevereiro de 1908, matriculou-se na Escola de Artilharia e Engenharia, sendo aprovado em todas as disciplinas, com excelente grau, e, a 30 de março de 1909, foi nomeado Alferes Aluno.

Promovido ao posto de 2º Tenente a contar de 28 de janeiro de 1909, foi matriculado no curso especial de Engenharia e Estado-Maior, concluído em 30 de março de 1912, colando grau como "engenheiro militar e bacharel em ciências físicas e matemáticas".

Como oficial de engenharia foi o autodidata precursor da moderna feição dessa arma. Como oficial de escol foi escolhido para fazer parte da festejada e necessária "Missão Indigente", organizada para elevar o nível profissional e moral da nova Escola Militar, Organizou e comandou a Companhia Ferroviária, dando provas de saber e, mostrando ser emérito disciplinador, além ter grande prestígio entre seus chefes, Diz o Gen. PANTALEÃO que "diante de uma revolta, manteve sua unidade dentro da ordem e defendeu seus subordinados contra suspeitas e os justificou como usuários de uma liberdade de pensamento, que não era incompatível com a disciplina a o cumprimento do dever".

Sempre estudioso, paciente e infatigável alcançou um alto nível de cultura geral e profissional, destacando-se entre os melhores oficiais de Estado-Maior, desempenhando "missões difíceis e delicadas, mostrando sempre que sabia cumprir o que ensinava e como também sabia dominar suas próprias opiniões, esquecer a camaradagem mal entendida e preterir amizade, para satisfazer as imposições do dever".

Como Tenente-Coronel teve que assumir a chefia do gabinete do Ministro NESTOR PASSOS, em 1930, pouco antes da vitória da revolução. "Leal e desassombrado" são ainda palavras do Gen. PANTALEÃO, "arcou, quase sozinho, com as dificuldades políticas da revolução de 1930. Depois foi a palavra honrada e singular da defesa dos atos do ministro deposto. Sofreu preterições mas, moralmente, na respeitabilidade a que impôs, foi um vitorioso.Sempre se eximiu de explicar e, ainda menos, de justificar sua atitude. não erro, dando a história o depoimento do que senti em suas conversas íntimas. Ele não tinha ilusões; não era partidário de obstinações improfícuas e julgava razoável, mesmo necessária, uma ação para o restabelecimento já tranqüilidade do País. Sua decisão foi manter-se ao lado do seu chefe, de pois como antes dos acontecimentos, recolhendo o ônus que não admitia rejeitar".

Serviu no Conselho de Segurança Nacional projetando a regulamentação do seu Conselho. Também a regulamentação da Ordem do Mérito foi fruto do seu trabalho em colaboração com o do então Cel NEWTON DE ANDRADE CAVALCANTE.

Como coronel chefe do gabinete do Estado-Maior do Exército,ARY PIRES emprestou a força de seu saber e equilíbrio, sua perspicácia e firmeza e sua capacidade do trabalho desde as investigações até os últimos atos da trágica intentona comunista de 27 de novembro da 1935.

Ascendeu ao generalato em 13 de maio de 1939. Como General de - Divisão teve destaque seu inesquecível e delicado comando da 5a.Região Militar, que levou a cabo com o equilíbrio e segurança de sempre.

 Por decreto de 7 de dezembro de 1945 foi nomeado Ministro do Superior Tribunal Militar, tomando posse de suas elevadas funções na Sessão plenária de 16 de Janeiro de 1946.

Participou de várias comissões instituídas pelo Tribunal, dentre outras salientamos a de apuração de requisitos para promoção no quadro de Auditores e critérios de admissão dos funcionários da Secretaria; representou o Tribunal em ocasiões importantes da vida nacional, salientando-se a de acompanhar os despojos do Duque e da Duquesa de Caxias para a cripta da Praça da República.

Depois de Vice-Presidente do STM foi eleito, em 4 de julho de 1952, presidente do Egrégio Tribunal, cargo que exerceu até a sua aposentadoria, sempre interessado pelas reformas e aperfeiçoamento dos serviços da corte e organização e melhoria todo o seu pessoal, particularmente dos mais humildes.

Restam, ainda, entre os funcionários nossos, dois que foram do tempo do Ministro MÁRIO ARY PIRES: Francisco Micas Vale a Carlos Israel Silva, então seu ordenança, hoje, Técnico Judiciário, Ambos ao se referirem ao Velho a venerando chefe salientaram sua seriedade, equilíbrio e Segurança de ação,ao lado do trato bem educado, afável, atencioso e delicado que dispensava a todos, especialmente aos mais humildes que nunca deixou de ajudar a incentivar, Israel que tinha contato em a família do Ministro, na velha casa da Tijuca, conta que, como no Tribunal, ele era respeitado e querido por todos e nunca temido. Era afável e bem humorado, levemente irônico, sem ser mordaz. Não contando as três carteiras de "Douradinhos Lisos" que fumava semanalmente, não tinha vícios. Por tudo, naturalmente, a família composta por D. Zica, o Cap, Sérgio e a senhora com a qual estava recém-casada e o Cap. Ruy, seu comandante de bateria, era amena e feliz. Quando  aposentou-se não deixou animosidade de ninguém e sim saudades de todos.

Na última Sessão que presidiu, a realizada em 6 de setembro de 1952, apresentou suas despedidas, dizendo então não ter ainda deixado o Tribunal por aguardar a promulgação da Lei que equiparava os funcionários desta Casa aos do Supremo Tribunal Federal, processo pelo qual muito se interessava.

Nas palavras de despedidas dos Senhores Ministros foi louvada a conduta ilibada do magistrado, como o acerta de seus acórdãos, verdadeiras lições de direito.

Nas palavras finais o homenageado atribuiu tudo que disseram de sua pessoa, à sua família e disse que transmitiria seus filhos, oficiais do Exército, para que lhes servisse de exemplo a recompensa que acaba de receber, por ter pautado sua vida sempre como um homem de bem.

Faleceu o Marechal Reformado e Ministro Aposentado do Superior Tribunal Militar, MÁRIO ARY PIRES, em 15 de abril de 1965, sendo homenageado pelos simples, no Cemitério do Caju, onde foi enterrado.

Deixou viúva a sua companheira de toda a vida, Dona HERMEZILIA DANTAS DOS SANTOS PIRES.

É ainda o Gen. PANTALEÃO PESSOA que diz: "A marcada personalidade de MÁRIO PIRES e a firmeza de suas decisões, servida e adoçada por uma espírito bondoso , compreensível e cordial, não tiveram discrepância nos seus 87 anos de existência. Disso deu provas no correr de sua exemplar carreira como oficial de Estado-Maior, como comandante e como juiz". E eu complemento: sua maior grandeza foi nunca ter esquecido aquele humilde menino pobre, filho de uma honrada família do Rio Grande do Sul, que sempre o acompanhou pela vida toda.

Sr. Presidente, Srs. Ministros:

É este o vulto singular do cidadão, soldado e Ministro deste Egrégio Superior Tribunal Militar, Ex-presidente e Presidente desta Corte que como maior dever de justiça homenageia hoje, data do seu centenário de nascimento.

Submeto à aprovação do Plenário minhas pobres palavras assim como a comunicação desta singela homenagem a ilustre família do egrégio Marechal e Ministro, tão bem representada hoje na pessoa de seu ilustre filho, O Gen Ex SÉRGIO ARY PIRES, comandante do II Exército.

ANEXO 1

DADOS BIOGRÁFICOS

CURSOS

08 Out 1882 - Nascimento no Vilarejo do Pontal da Barra, RS.

1897 - Acidente com fratura do braço direito.

1898 - Caixeiro em casa, comercial da Santa Maria da Boca do Monte.

26 Mar 1902 - Escola Preparatórias e de Tática de Rio Pardo.

14 Nov 1904 - Revolta contra a vacina obrigatória. Desligamento da Escola Militar da Praia Vermelha.

1905 - Anistia para os ex-alunos,

1906 - Rematriculado na Escola Militar.

1908 - Escola de Artilharia a Engenharia de Realengo.

30 Mar 1912 - Escola de Estado-Maior e Engenharia Militar.

  -  Escola da Aperfeiçoamento de Oficiais.

PROMOÇÕES

14 Fev 1908 - Aspirante a Oficial.

01 Abr 1909 - Alferes-Aluno.

01 Ago 1909 - 2º Tenente (a contar de 28 jan de 1909)

14 Nov 1916 - 1º Tenente.

14 Jun 1921 - Capitao.

20 Jul 1925 - Major (por merecimento).

03 Ago 1929 - Tenente-Coronel (por merecimento).

25 Mai 1933 - Coronel (por merecimento).

13 Mai 1939 General-de-Brigada

08 Set 1944 - General-de-Divisão.

13 Set 1950 - General-de-Exército.

05 Dez 1952 - Marechal.

NOMEAÇÃO E MOVIMENTAÇÃO NO STM

Dec. de 07 Dez.1945 - Ministro do Superior Tribunal Militar.

Sec. Plenária de 16 jan 1946 - Posse nas funções de Ministro.

04 Abr 1950 - Eleito Vice-Presidente do STM

04 Jul 1952 - Eleito Presidente da STM.

- Medalha Militar em ouro com passadeira de platina;

- Grande Oficial da Ordem do Mérito Militar;

- Comenda da Legião do Mérito dos Estados Unidos da América, no grau de Comandante;

- Oficial da Legião de Honra da França;

- Medalha comemorativa do Cinqüentenário da Proclamação da República;

- Medalha comemorativa do Centenário do Barão do Rio Branco;

- Medalha de Guerra;

- Medalha do Pacificador.

COMISSÕES

- Subalterno em Corpos de Infantaria a Engenharia;

- Instrutor por concurso e, posteriormente, Instrutor-Chefe Arma de Engenharia na Escola Militar do Realengo, integrando a chamada "Missão Indígena":

- Comandante da la. Companhia Ferroviária Independente, em Deodoro;

- Chefe do Centro de Instrução de Transmissões em São Gabriel, na 3a, RM (Manobras de 1922);

- Participou de Operações de Guerra nos Estados do Paraná e Santa Catarina, em 1925, integrando o 2º Grupo do Destacamento das Forças em Operações contra os rebeldes naqueles Estados;

- Oficial e depois Chefe de Gabinete do Ministro da Guerra, no Governo do Presidente Washington Luiz;

- Comandante do 5º Batalhão de Engenharia;

- Chefe da 4a, Seção do Estado-Maior do Exército;

- Membro da Comissão encarregada da escolha do terreno para a construção da Escola Militar de Resende;

- Chefe do Gabinete da Secretaria-Geral do Conselho de Segurança Nacional;

 Membro da Comissão que organizou o projeto do Estatuto dos Militares;

- Chefe do Gabinete do Estado-Maior do Exército;

- Comandante da Infantaria Divisionária da 5a, DI (Curitiba);

-1º Subchefe do Estado-Maior do Exército;

- Membro da Comissão de Promoção do Exercito;

- Comandante da 5a, RM e 5a, DI, no Paraná;

- Membro do Conselho da Ordem do Mérito Militar;

- Ministro do Superior Tribunal Militar;

- Vice-Presidente do Superior Tribunal Militar e seu Presidente.

DIVERSOS

- Por Decreto de 11, publicado no D.O de 22 tudo de outubro de 1952, foi aposentando por implemento de idade.

- Por Decreto de 5 de dezembro foi promovido ao posto de Marechal o reformado no referido posto;

- 15 de abril de 1969, faleceu a foi sepultado no Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro.