SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR
ATA DA 18ª SESSÃO, EM 16 DE ABRIL DE 1985-TERÇA-FEIRA
PRESIDÊNCIA DO MINISTRO GENERAL-DE-EXÉRCITO HEITOR LUIZ GOMES DE ALMEIDA
PROCURADOR GERAL DA JUSTIÇA MILITAR: DR GEORGE FRANCISCO TAVARES
SECRETÁRIO DO TRIBUNAL PLENO: DR EUFRASIO MATIAS SOUSA NETO
Compareceram os Ministros Faber Cintra, Deoclécio Lima de Siqueira, Ruy de Lima Pessoa, Gualter Godinho, Julio de Sá Bierrenbach, Antônio Geraldo Peixoto, Jorge Alberto Romeiro, Antonio Carlos de Seixas Telles, Roberto Andersen Cavalcanti, Túlio Chagas Nogueira, Sérgio de Ary Pires, Paulo Cesar Cataldo,Raphael de Azevedo Branco e Alzir Benjamin Chaloub.
Às 13.30 h, havendo número legal, foi aberta a Sessão.
Foram aprovadas as Atas da 16ª e 17ª Sessões.
A seguir, foram relatados e julgados os seguintes processos:
APELAÇÕES
44.127-1-Rio Grande do Sul. Relator Ministro Tulio Chagas Nogueira. Revisor Ministro Antonio Carlos de Seixas Telles. APELANTE: O MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR junto a 3ª Auditoria da 3ª CJM. APELADA: A Sentença do Conselho Permanente de Justiça da 3ª Auditoria da 3ª CJM, de 18 de junho de 1984, que absolveu o civil PAULO ROBERTO LIMA PORTO, do crime previsto no art 210, §§ 1º e 2º, do CPM. Adv Dr João Batista Vieira. (SESSÃO SECRETA).
44.308-0-Rio Grande do Sul. Relator Ministro Sérgio de Ary Pires. Revisor Ministro Antônio Carlos de Seixas Telles. APELANTE:O MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR junto a 1ª Auditoria da 3ª CJM.APELADA: A Sentença do Conselho de Justiça do 3º Regimento de Cavalaria de Guardas, de 28.12.84, que absolveu o Sd Ex MANOEL DOMINGOS DE OLIVEIRA SILVA, do crime previsto no art 187 do CPM.AdvªDrª Nadja Maria Guerra Rodrigues. (SESSÃO SECRETA).
Na parte destinada ao expediente, o Ministro-Presidente informou ter recebido correspondência do Desembargador José Joaquim da Fonseca Passos, dando ciência da impossibilidade de comparecer à solenidade de entrega de medalhas da Ordem do Mérito Judiciário Militar, solenidade esta que foi realizada em 12 do corrente mês.
A seguir, o Ministro-Presidente mandou distribuir o Expediente Administrativo nº 10/85 para posterior debate.
Por unanimidade de votos foi aprovado o Expediente Administrativo número 13/85, versando sobre concessão de férias à Drª Rosali Cunha Machado, Juíza-Auditora Substituta da 1ª Auditoria de Marinha da 1ª CJM.
Na 16ª Sessão,em 09 do corrente mês, o Ministro Jorge Alberto Romeiro homenageou o Dr Milton Menezes da Costa Filho ao deixar o cargo de Procurador-Geral da Justiça Militar, usando, de improviso, das seguintes palavras:
"Senhor Presidente
Senhores Ministros
Pela derradeira vez,comparece, hoje, o ilustre Doutor MILTON MENEZES DA COSTA FILHO, na qualidade de Procurador-Geral da Justiça Militar, a uma assentada pública de julgamento nesta Casa, em pleno exercício da mais árdua e implexa das funções judiciárias, a de mais difícil desempenho no campo forense, em virtude da obrigatória, necessária conciliação de aprumos os mais díspares e opostos que se enjeitam e se repelem, quais os de parte processual e de defensor e fiscal da lei, ensejando este último mister a denominação, que os franceses deram ao Ministério Público, de Magistratura de pé, la maqistrature debout.
Bela é a imagem de GIURATI, reproduzida por ALTAVILA, em sua assaz notável obra Psicologia Giudiziaria, para expressar as dificuldades referidas.
O célebre pintor DAVI, incumbido de retratar um Príncipe italiano, mirando a lisonjeá-lo, indagou dele como seria possível conciliar no quadro, a inquietude, a vivacidade e o azougamento de seu gênio, com a serenidade, a imparcialidade e a frieza mesmo, exigidas por seu alto cargo.
Vaidoso, respondeu-lhe o Príncipe: - Dipinqetemi David, freddo, tranqüillo, impávido, sopra un cavallo infuriato (Pintai-me Davi, frio, tranqüilo, impávido, montando um cavalo enfurecido).
Aí está a imagem perfeita do representante do Ministério Público, doublé de juiz e de parte. Frio, tranqüilo, sereno como o primeiro, cavalgando, na qualidade de parte, o corcel escrapeteado dos debates,sempre aos saltos e aos pinchos.
Eis o retrato, o retrato falado de MILTON MENEZES DA COSTA FILHO.
Conheci-o por ocasião de minha posse como Ministro deste Tribunal, saudando-me em nome do Ministério Público, numa bela e generosíssima oração.
Percebi, desde logo, que se tratava de um moço talentoso e de valor.
Com o correr do tempo de nossa convivência nesta Casa, tive o prazer de observar de perto seus extensos e profundos conhecimentos de todo o Direito que se relaciona com a Justiça Castrense. Domina, realmente, essa difícil especializada ciência, em todos os seus ângulos, esconsos, desvãos e meandros.
Nos últimos meses, sentando-me neste plenário, quase a seu lado, acudia-me constantemente, a meu pedido, com fotocópias de acórdãos deste e de outros tribunais, referentes ao assunto de meus votos improvisados, socorrendo as falhas de minha memória com os números de súmulas do Supremo Tribunal Federal e de artigos dos códigos militares, com prestância e segurança inteiras.
Orador brilhantíssimo, é também possuidor da casta correção no dizer e no escrever. É um prazer ouvi-lo, no contraditório aos Advogados de defesa, alternando a linguagem técnica com a linguagem comum,como convém a um escabinato, característico deste Tribunal.
Nos seus impecáveis requisitórios orais, tem-se a impressão de que força "a idéia a abraçar a forma e dançar harmoniosamente com ela."
Elegante, finamente educado, respeitando e guardando as necessárias distâncias entre o Executivo e o Judiciário, jamais se valeu da amizade que conquistou a todos os Ministros desta Casa para levar vantagem ou sobrepor-se aos adversários, honrando o crisma de parquet para o Ministério Público, que significa assoalho, de onde, a principio, na França, requeriam, com igualdade de nível, os advogados e membros da dita instituição, apesar de, mais tarde, os reis, a fim de prestigiarem seus procuradores (qens du roi) houvessem permitido que subissem ao estrado no qual se assentavam os juizes.
De suas marcantes atuações como Chefe do Ministério Publico Militar, cargo de confiança do Executivo e demissível ad nutum, destaco o panache de sua independência. Recordo-me de processo aqui julgado, onde grande era o interesse das Forças Armadas, em prol da disciplina e do exemplo nos quartéis, na condenação dos réus, Oficiais da Polícia Militar da Bahia que haviam entrado em greve. MILTON MENEZES DA COSTA FILHO pediu a absolvição de todos, atendendo aos reclamos de sua consciência como jurista. Condenados em recurso de apelação, onde fui voto vencido, foram, afinal, absolvidos os réus em embargos infringentes do julgado.
Estou a vê-lo, num outro processo conhecido como dos padres franceses, resistindo a pressões, não da Igreja, mas de uma facção da mesma que se intitula progressista, a qual, por través simpatizantes seus, ousou tentar apupá-lo neste recinto, ao declarar ele que havia comungado naquele dia do julgamento.
Fê-la calar MILTON MENEZES DA COSTA FILHO, arrasando-a com uma argumentação cerrada e irrespondível, em favor de sua digna posição de católico defensor da sociedade,iluminado pelos morrões acesos dos debates, numa luta de igual para igual, em técnica e conhecimentos jurídicos, com a brilhante plêiade dos advogados dos réus.
Doutor MILTON MENEZES DA COSTA FILHO, Vossa Excelência não poderia hoje retirar-se deste plenário sem a homenagem de que é alvo e faz jus.
Que minhas palavras, ecoando, reboando, percutindo nas paredes desta sala, onde Vossa Excelência, por uma fieira de oito compridos anos, caldeou, amalgamou, encandesceu seu nome ilustre, até à auréola, no braseiro vivo da tribuna da acusação, possam traduzir o estrépito dos aplausos longos, demorados dos Ministros desta Casa à sua atuação digna, honrada, independente, brava, culta, inteligente, correta e edificante na Chefia do Ministério Público da Justiça Militar."
Após as palavras do Ministro Jorge Alberto Romeiro, assim se pronunciou o Ministro Paulo Cesar Cataldo:
"Senhor Presidente,
Senhores Ministros,
Senhor Ministro Jorge Romeiro, após V. Exª haver proferido tão bela saudação, usando as palavras com maestria igual à de Paganini solan do um Stradivarius, não deveria eu falar sob o risco de mal arranhar simples rabeca. Releve-me V. Exª, entretanto, que eu me dirija ao velho amigo e companheiro Milton Menezes da Costa Filho para lembrar - e devo fazê-lo de público - que eu e ele não nos conhecíamos intimamente quando, ambos cariocas fazendo o curso jurídico no Rio de Janeiro, já comungávamos dos mesmos ideais.
Foi em Brasília que vim a conhecer bem de perto Milton Menezes da Costa Filho, ele Subprocurador-Geral e depois titular máximo do "Parquet" Castrense e eu Assessor da Presidência da República. Tive, então, de muitas vezes recorrer à especialização do Dr Milton e dele recebi sempre ensinamentos, orientação, conselhos, que me facilitaram o exercício de minhas funções.
Incumbido de elaborar alguns documentos de relevo para a Ordem Jurídica, pude levar à consideração superior do Governo, graças ao conhecimento, à competência do Dr Milton Menezes da Costa Filho, projetos dos quais deve ele se orgulhar por ter sido o verdadeiro autor.
Dando-se neste Tribunal vaga de Ministro Togado, todos quantos acompanhávamos a atuação do Dr Milton - particularmente eu como testemunha do seu empenho em prol do Ministério Publico, da carreira, da valorização dos Procuradores neste ramo do Judiciário, sentimos que muito bem servida seria a Justiça Militar se, na oportunidade, o Dr Milton Menezes da Costa Filho fosse alçado a Juiz nesta Corte.
Fui surpreendido com o convite de Sua Excelência o então Presidente da Republica, embora a ponderação de que a escolha do Dr Milton a tenderia aos nossos anseios; mas é que a indicação do Dr Milton, da preferência também de Sua Excelência, encontrava óbice constitucional em razão da origem da vaga.
Para que eu aceitasse O convite - quero que se consigne isso nos anais do Tribunal - foi decisivo que o Dr Milton Menezes da Costa Filho nobilissimamente me instasse a aceitá-lo. Precisamente dele partiram as primeiras palavras de estímulo que então ouvi.
Dr Milton, o eminente Ministro Jorge Alberto Romeiro o saudou em nome deste Tribunal e assinalou, sem favor, os méritos de sua atuação.
Eu, com o título de seu amigo, permito-me dizer-lhe - porque tenho certeza de ainda lhe estar reservado papel relevantíssimo na vida jurídica do País -, apenas "até logo"."
A seguir, usou da palavra o Ministro-Presidente que assim se expressou:
"Dr Milton Menezes da Costa Filho.
Depois das palavras brilhantes dos Ministros Jorge Alberto Romeiro e Paulo Cesar Cataldo, nada mais há a dizer.
Entretanto, como Presidente deste Tribunal, quero assinalar que V. Exª dignificou o cargo que ocupou com seus atos e sua inteligência, saber jurídico, coerência e patriotismo. A sua passagem por este Tribunal ficará indelevelmente marcada, pois, além de eminente Procurador-Geral, foi V. Exª cidadão ilustre.
Ao deixar o cargo de Procurador-Geral, V. Exª deixará entre nós uma agradável lembrança, sendo sua atuação um exemplo para outros que ocuparem este posto."
Agradecendo, o Dr Milton Menezes da Costa Filho se pronunciou, proferindo as seguintes palavras:
"Senhor Presidente e Senhores Ministros:
Serei muito breve, para que a emoção não impeça que eu faça constar dos Anais desta Casa os meus agradecimentos pelas palavras tão amigas quanto generosas, que tive a inesquecível oportunidade de, agora, ouvir.
Recordo-me de certo período de abril de 1954, época em que os bancos escolares eram a morada de meus sonhos e ilusões na cidadela do Direito. O saudoso e grande mestre Roberto Lyra organizara um júri simulado, cujo processo, na vida real, já sofrerá o crivo do Judiciário.
Abertas as inscrições, contrastando com o grande número de alunos inscritos para advogados de defesa, poucos foram aqueles que, como acusador, ousaram enfrentar a antipatia do público, que sempre a deposita nos que desempenham tal "munus".
Talvez por este detalhe, tenho sido o escolhido para exercício das funções de "promotor".
Realizado o "julgamento", inenarrável foi minha decepção ao ou vir, por unanimidade, a absolvição do "réu" que, no processo verdadeiro, fora condenado, numa demonstração de minha pálida, senão desastrosa estréia como "promotor".
Na primeira aula, seguinte ao julgamento, o Insigne Roberto Lyra, um dos maiores Promotores do País, determinou que, à frente da turma, ficasse de pé. Emocionado, quase às lágrimas, ouvi palavras de estímulo e, ainda, recebi o livro mais precioso de minha modesta biblioteca: "Da Extinção de Punibilidade", de Raimundo de Macedo, pois que nele, por Roberto Lyra, foi escrito: "Ao excelente aluno Milton Menezes, como prêmio de aplicação em Direito Penal. Em 24.4.1954." Claro estava que o estímulo e a bondade do Mestre foram as molas impelentes àquela oferta!
Esta foi a primeira vez que, como "promotor", fui agraciado, embora membro de um ministério público de mentira.
Pelos idos de 1962, já Promotor Militar de 3a Categoria, em exercício na 1a Auditoria de São Paulo, fui surpreendido com um telegrama da Secretaria deste Tribunal, dando-me ciência de que fora admitido, com o grau de "Distinção", na Ordem do Mérito Judiciário Militar, ainda que contasse, tão-somente, com dois anos de atividades no Juízo Castrense.
Pela segunda vez, fui agraciado como Promotor, mas, agora, de um Ministério Público de verdade.
Anos depois, promovido e lotado em uma das Auditorias do Rio de Janeiro, assistindo aos debates plenários desta Corte, fertilizava o sonho de, um dia, deles participar como Procurador-Geral e brilhar,quanta pretensão, como tanto fizeram Ivo de Aquino, Eraldo Gueiros, Nelson Sampaio, Jacy Pinheiro e Ruy Pessoa.
No dia 11 de maio de 1977, quando, pela primeira vez, esta cadeira honrada e honrosa ocupei, senti o sabor indescritível do ideal satisfeito. Posso assegurar que pensei ter sido o meu maior agraciamento como membro do Ministério Público Militar.
Hoje, após oito anos, quando deixo o cargo de Procurador-Geral, garanto aos Eminentes Ministros que não me sinto como um viandante em final de estrada percorrida, onde a poeira do trecho ultrapassado da-lhe significado de um fim. Sinto-me, sim, como um alpinista que, sonhando a conquista da montanha, lançou-se à luta com os instrumentos modestos de que dispunha, conseguindo atingir, dominadas as intempéries da empreitada, o cume tão almejado. Lá chegando, com o coração saltitante, como que querendo sair para tocar o solo da conquista, não vê como viandante, um final de estrada, mas sim, uma belíssima paisagem de trezentos e sessenta graus, tão inebriante quanto sonhada.
Senhores Ministros, o que presenciei, hoje, perante esta Corte, através das brilhantes e generosas manifestações dos Eminentes Ministros Heitor Luiz Gomes de Almeida, Jorge Alberto Romeiro e Paulo Cesar Cataldo, porta-vozes como afirmaram, de todos os seus ínclitos Pares, é uma paisagem que jamais sonhara, nos seus desvaneios, o alpinista.
Este, sim, foi o maior agraciamento que, como membro do Ministério Público, foi-me concedido.
Como o alpinista que, quando atinge o cume da montanha, é despertado, evidente, o desejo de agradecer ao Criador o final feliz de sua empreitada, humildemente, já lutando para que de meus olhos não surjam partícipes da gratidão, uso a expressão que, tudo sintetizando, é a única possível de ser proferida agora:
MUITO OBRIGADO."
Na 17ª Sessão, o Ministro Jorge Alberto Romeiro saudou o novo Procurador-Geral, Dr George Francisco Tavares, com as palavras abaixo, proferidas de improviso:
"Quando a 12 de novembro de 1979, e lá se vai mais de um lustro, fui empossado no cargo de Ministro desta Casa, o Conselho Federal da OAB se fez representar por dois ilustres advogados, explicando o incomum da representação plural como uma especial e honrosa deferência a mim, por haver exercido a advocacia ininterruptamente desde estudante de direito, como solicitador, até meu ingresso na magistratura.
Do discurso então aqui proferido pela representação da OAB destaco o seguinte tópico:
"A Justiça Militar é, sem dúvida, uma das melhores do País,e... a ela não se aplicara, com justiça, muitas das criticas que tem sido feitas ao sistema judiciário... O escabinado que aqui vigora permite que, no conjunto, o Tribunal se oriente invariavelmente no sentido de uma aplicação justa e humana do direito..
Temos visto neste Tribunal militares que aqui chegam depois de larga carreira e que, surpreendentemente, revelam notável sensibilidade jurídica. Foi aqui que, pela primeira vez em nosso direito, um juiz militar - o Almirante José Espíndola - concedeu liminar num hábeas corpus preventivo. Quando, mais tarde o STF atuou no mesmo sentido, em hábeas corpus concedido a um governador na iminência de ser deposto, invocou -se o precedente da Justiça Militar. Os militares estão habituados a julgar, pois essa tarefa é comum na carreira das armas, mas o que por vezes chega, a surpreender aos próprios advogados é a preocupação da justiça, temperada pela eqüidade, que revelam aqui, no exercício de suas árduas funções de magistrados.
Transferindo-se para a Justiça Militar o julgamento de todos os crimes políticos e instituindo-se, mais tarde, uma lei de segurança nacional draconiana, de inspiração antidemocrática, imaginou-se que a Justiça Militar funcionaria com critérios revolucionários, aplicando a lei com severidade implacável. Não foi o que aconteceu. Por força da. formação democrática de seus juizes, convencidos de que a justiça . se faz em nome do povo e para o povo, sempre tivemos aqui a lei aplicada segundo critérios de justiça, e não para atender a supostas conveniências da segurança nacional, confundida com a segurança do poder político dominante. Se de severidade podemos nos queixar, é somente daquela, por vezes, revelada no julgamento dos próprios militares."
Essas palavras elogiosas a este Tribunal, embora proferidas pela voz do Professor HELENO FRAGOSO, foram encampadas pelo então advogado GEORGE TAVARES, que hoje toma assento neste plenário como novel Procurador-Geral da Justiça Militar, pois os mencionados ilustres penalistas formavam a dupla incumbida de homenagear-me em nome da OAB.
Ainda ontem ao tomar posse no alto cargo de Chefe do Ministério Público Castrense, perante o Ministro da Justiça, afirmava GEORGE TAVARES, numa verdadeira profissão de fé, que acredito muito o credenciará à maioria dos Ministros desta Casa - que as noções de dever, honra, lealdade e patriotismo hauridas por ele como aluno, que foi, do Colégio Militar, constituíram a base e todo o êxito de sua profissão como advogado, pois nunca defendeu o crime, mas o criminoso, jamais se identificando com os seus clientes.
Testemunhei, por volta de 1957, como Promotor Público, funcionando no II Tribunal do Júri do ex-Distrito Federal, hoje Estado do Rio de Janeiro, o início da carreira de GEORGE TAVARES como advogado criminal. Oficiei ali em vários processos, como seu ex adverso. Já era possível prever então a brilhante carreira do jovem que se estreiava. Afastado do júri, em virtude de promoção no Ministério Público, tive o prazer de ouvi-lo, bem mais tarde, defendendo um juiz do Tribunal de Alçada que havia matado um advogado. Verifiquei, nesta, oportunidade, o acerto da fama que já granjeara de excelente, notável advogado criminal.
Como grande advogado criminal que, com justiça, se sagrou, o êxito de GEORGE TAVARES em sua nova função de acusador público é de uma evidência a toda prova.
Segundo observação corriqueira no foro, os melhores acusadores são os advogados criminais. Pois, conhecendo todos os aprumos da defesa, suas fintas e malícias antecipam os argumentos dela e os anulam antes mesmo que sejam expendidos no contraditório do fogo cruzado dos debates. São, como nos jogos de vôlei recentemente tão televisionados, aqueles bloqueadores das cortadoras do time adversário.
Opera-se a partir de hoje, Doutor GEORGE TAVARES, uma grande metamorfose, uma radical mudança em sua vida profissional.
Cinge Vossa Excelência, com a faixa branca do parquet militar, seus paramentos negros de advogado, dourando-lhe os punhos com as folhas penadas das insígnias da Justiça Castrense, empunhando uma espada. Não aquela que portava, em sua juventude, nas paradas do Colégio Militar, a espada de Marte, mas a espada do Santo de seu nome: - a espada de São Jorge.
Troca de ângulo dos catetos com a hipotenusa no triângulo da relação processual, que representa a Santíssima Trindade da Justiça: - O Juiz, a acusação e a defesa.
Nas orquestrações do direito penal militar, entoadas nesta sala, onde tantas vezes Vossa Excelência representou a defesa, vai trocar, como um novo virtuoso, a graça de suas clarinadas, pelo floreio das baquetas forradas do pesado surdo da acusação.
Vossa Excelência, deserta hoje da tribuna da defesa "asilo inviolável de todos os vencidos", a qual, no dizer de GALIMBERTI, num doutíssimo estudo sobre DIMAS, o bom ladrão, "se a muito custo, consegue, de quando em quando, abrir a porta do cárcere, jamais fechará a do paraíso, com a tão temida eloqüência de seus ocupantes."
Tribuna que tanto deslumbrou VOLTAIRE, no célebre affaire CALAS, no qual funcionou como defensor, a ponto de exclamar, rezando: Eu queria ter sido advogado é a mais bela de todas as profissões. C'est le plus bel état du monde!
Tribuna que deu tantas glórias, vitórias e prestígio a Vossa Excelência. Seu carro de triunfo para a alta investidura de Chefe do Ministério Público Castrense
Mas, a deserção de Vossa Excelência não tem o sentido técnico do Direito Penal Militar. É uma deserção diferente. Trata-se de uma troca de guarda, dentro no âmbito do próprio Direito. De uma mudança para outra tribuna. E tribuna de indiscutível relevância social, embora não gozando da mesma simpatia popular, se comparada com a da defesa. Igualmente tribuna de defesa, defesa da lei, da ordem pública, da paz social infringida, a FRIEDLOSIGKEIT dos penalistas germânicos. Tribuna que também glorifica e foi honrada pelo Ministro Romeiro Neto, meu saudoso irmão e, como Vossa Excelência, grande advogado criminal, Ruy de Lima Pessoa e outros eminentes Ministros desta Casa e na qual tanto se agigantou Milton Menezes da Costa Filho, o inesquecível antecessor de Vossa Excelência.
Nos saudosos tempos da juventude de muitos de nós, as gerações que se sucediam nos colégios não traduziam o pro Milone nos currículos do latim, mas as in Verrem et in Catilina orationes, acusações públicas que outorgaram ao grande Cícero o agnome insígne de Pater patriae.
Não foi uma defesa, mas uma acusação, que sagrou nas páginas dos Evangelhos o maior profeta de todos os tempos, JOÃO BAPTISTA, cuja cabeça, sangrando num prato em meio a um festim, bem poderia simbolizar toda a grandeza da tribuna da acusação, era aqui ocupada por Vossa Excelência.
Excelentíssimo Senhor Doutor GEORGE TAVARES, meu amigo e velho companheiro de lutas forenses, seja bem vindo a esta Casa."
Agradecendo, o Dr George Francisco Tavares, assim se manifestou:
"Exmo Sr Presidente.
Exmºs Srs Ministros.
Ao estrear como Procurador-Geral da Justiça Militar, encontro-me duplamente emocionado.
Uma forte emoção, que me domina, tem reminiscência na minha juventude. Lembro-me de quando, pela primeira vez, enverguei a farda de aluno do Colégio Militar do Rio de Janeiro, saí pelas ruas a vagar de peito estufado e coração vibrante. Hoje, ao vestir a beca de Chefe do Ministério Público Militar, entrei nesta Corte, possuído da mesma emoção. Senti, nas pernas, o mesmíssimo tremor, que tive, ao vagar pelas ruas orgulhoso da farda que trajava.
Neste Tribunal militei durante muitos anos, como advogado. Defendi civis e militares: soldados, sargentos, oficiais e, até generais. Por isso posso afiançar ser uma justiça limpa. Não me cabe, nesta hora, fazer comparações. Todavia, devo registrar que as bases da Justiça Militar têm as mãos limpas. Do mais humilde servidor até a mais alta magistratura, nunca testemunhei qualquer ato de corrupção.
As perícias - prova importante, pois encerra um juízo de valor são honestas. Podem os magistrados militares não concordar com as conclusões de um laudo ,posto que não estão a ele adstritos. Entretanto, se houve falha na perícia, tal falha foi, essencialmente, técnica. Sem má fé.
A prova testemunhal feita na Justiça Militar é livre e pública.
Os réus são interrogados nos moldes da lei. É respeitado o princípio da autodefesa. Não há qualquer laivo de coação.
As confissões extrajudiciais - como posso testemunhar nos inúmeros casos em que funcionei - só têm valor probante, quando respaldadas no restante da prova. Defendi um estudante em treze processos, em que confessava a participação no crime de que era acusado, e ele só foi condena do em um deles, porque uma testemunha, em Juízo, o apontava como um dos participantes do delito, reconhecendo-o. Nos outros processos, não foram acatadas pela Justiça Militar as confissões extrajudiciais isoladas.
Quero registrar um exemplo da independência dos Juizes Militares. Defendi um ex-Coronel e era Presidente do Conselho um seu desafeto, o Coronel Hildebrando Goes, de saudosa memória. Tomando conhecimento da inimizade entre ambos, tive ímpetos de argüir a suspeição do referido Coronel.
Desejo ressaltar que, nas minhas defesas de casos políticos, jamais fiz uma defesa política, até por respeito à ideologia dos meus constituintes, com as quais, em regra, não comungava. Porém, a defesa técnica ficava a meu encargo. Contudo, era respeito à autodefesa, em decisões delicadas, consultava o acusado. Então, me dirigi àquele ex-Coronel (hoje, com a anistia, sua patente foi restabelecida), perguntando-lhe se desejava que eu argüisse a suspeição do Presidente do Conselho. O acusado, Oficial de cavalaria, era muito respeitoso, achava sempre que o advogado é quem manda e o cliente deve obedecer. Deixou, inteiramente, a meu critério.
Deliberei não argüir a suspeição do mencionado Juiz Militar. Se ele não se julgava impedido pela inimizade entre os dois, haveria de ser isento, raciocinei.
O réu foi absolvido unanimemente.
Então, surpreso, meu constituinte dirigiu-se ao Presidente para cumprimentá-lo, ao que o Coronel Hildebrando Goes reagiu: "Não cumprimento um comunista. Se o absolvi é porque não havia prova nos autos. "Assim, são os verdadeiros Juizes! E a Justiça Militar está repleta dessas lições.
A segunda emoção reside no fato de eu hoje, sentar-me na mesma cadeira que ocupou o saudoso Ministro João Romeiro Neto, meu padrinho na vida civil e meu paraninfo como advogado.
Finalmente, agradeço as palavras do Ministro Jorge Alberto Romeiro, e desconto, nos elogios que me fez, os excessos da amizade a nos unir nesses longos anos. Enfrentei-o, quando era Promotor de Justiça - e ele era. tolerante com as irreverências e com os arroubos de um advogado iniciante (eu, ainda, nem era formado, mas funcionava como solicitador no Tribunal do Júri). Depois, postulei, na defesa, quando V. Exª, Ministro Jorge Romeiro, era magistrado no Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro. E, aqui, quando V. Exª passou a ocupar essa cadeira. Sempre colhi nos seus votos os melhores ensinamentos. Seus arestos espelham sempre a cultura jurídica que V. Exª possui. E, nas suas decisões, há sempre a procura da Justiça.
Agradeço a todos os que me ouvem a atenção, que ora me é dispensada."
Publica-se, a seguir, os resultados das apelações julgadas em Sessão Secreta, na 16ª Sessão, em 09 do mês em curso:
44.188-3-São Paulo. Relator Ministro Jorge Albero Romeiro. Revisor Ministro Antônio Geraldo Peixoto APELANTE: O MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR junto a 1ª Auditoria da 2ª CJM. APELADA: A Sentença do Conselho Especial de Justiça da 1ª Auditoria da 2ª CJM, de 14 de agosto de 1984, que absolveu o Maj Eng Aer LEONARDO DANTAS GUEDES, do crime previsto no art 251, c/c o art 80, ambos do CPM. Adv Dr Jaime Pugliesi Branco.- POR UNANIMIDADE DE VOTOS, o Tribunal negou provimento ao apelo do MPM e confirmou a sentença absolutória de 1ª instância. (SUBPROCURADORA DA JUSTIÇA MILITAR Drª MARLY GUEIROS LEITE).
44.086-0-Paraná. Relator Ministro Roberto Andersen Cavalcanti. Revisor Ministro Paulo Cesar Cataldo. APELANTE: O MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR junto a Auditoria da 5ª CJM. APELADA: A Sentença do Conselho Permanente de Justiça da Auditoria da 5ª CJM, de 08 de maio de 1984, que absolveu o 3º Sgt Ex ARMANDO LUIZ LANGOWSKI, do crime previsto no art 251, § 3º, do CPM. Adv Dr Amilton Padilha. POR UNANIMIDADE DE VOTOS, o Tribunal negou provimento ao apelo do MPM para manter a decisão absolutória de primeira instância. (NÃO TOMARAM PARTE NO JULGAMENTO OS MINISTROS DEOCLÉCIO LIMA DE SIQUEIRA e FABER CINTRA).(PROCURADOR-GERAL DA JUSTIÇA MILITAR DR MILTON MENEZES DA COSTA FILHO).
ENCERRAMENTO DA 18ª SESSÃO
A Sessão foi encerrada às 15 h, com os seguintes processos em mesa:
Aguardando decurso de prazo:
Apelação 44.287-3(DS/\TR)Aud 12ª- proc 513/84-1 Adv Benedito JP Tavares
Apelação 44.302-0(DS/PC)Aud 6ª proc 501/84-5 Adv Luiz Humberto Algle
Apelação 44.310-1(AB/RP)11ª proc 546/84-0 Advª Elizabeth DM Souto
Apelação 44.191-3(FC/ST)lª/3ª proc 14/80-5 Advª Kleber C. Vianna/outros
Apelação 44.306-3(FC/PC)lª/2ª proc 501/85-0 Adv Reinaido Silva Coelho
Represent p/Decl Indignidade 12-1 (SP/ST) - Ministério do Exército
Apelação 44.2 56-3(SP/PC) Aud 5ª proc 514/84-1 Adv Amilton Padilha
Aguardando publicação:
Apelação 44.204-9(RP/SP)Aud 5ª proc 5/84-0 Adv Dr Amilton Padilha
Rec Criminal 5.663-2(DS)2ªMar APF 32/84
Apelação 44.085-2(ST/RA)3ªEx proc 12/82-1 Advª Tânia S. Nascimento
Apelação 44.311-0(RB/PC)Aud 11ª proc 501/85-5 Adv Elizabeth DM Souto
Apelação 44.257-0(ST/AP)Aud 5ª proc 11/84-0 Adv César A.S. Kehrig
Apelação 44.2 78-2(JB/ST)Aud 7ª proc 22/84-8 Adv Dermeval Houly Lellis
Apelação 44.26 3-6(TN/JR)Aud 9ª proc 517/84-3 Adv Jorge A. Siufi/outra
Rec Criminal 5.661-6(TN)Aud 11ª proc 2 55/74-9
Apelação 44.203-0(PC/FC)Aud 11ª proc 80/83-6 Advª Francisco Gomes/outros
Apelação 44.315-2(AP/ST)2ªEx proc 503/85-6 Advª Telma A. Figueiredo