SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR
SUPLEMENTO DA ATA DA 113ª SESSÃO, EM 12 DE DEZEMBRO DE 1980
No início da Sessão, o Exmo Sr Ministro Dr JACY GUIMARÃES PINHEIRO proferiu as seguintes palavras:
"SENHORES MINISTROS
Comemora-se, a 13 deste mês, uma das datas mais significativas das nossas Forças Armadas: o "Dia do Marinheiro".
Se voltarmos os olhos para o passado, haveremos de reconhecer que à Marinha de Guerra do Brasil estão reservadas passagens especiais, verdadeiras consagrações, que todos nós jamais poderemos esquecer.
Sem pretendermos fazer deste esboço apressado qualquer retrospecto mais profundo, havemos, no entanto, de lembrar que o impulso dado à Marinha, entre nós, deve-se, em primeira mão, à transferência da Família Real Portuguesa para o Brasil, em 1803, com a construção dos arsenais de marinha e estaleiros, ao longo do nosso litoral, e, mais tarde, a instalação da Academia Real de Marinha.
Com a experiência no convívio dos mares, que projetou a fama da gente lusitana, e com os conhecimentos necessários à construção naval, os portugueses, já no Império, fizeram da nossa Marinha a mais respeitada e mais bem aparelhada da América do Sul, preparando-a, dessarte, para os dias difíceis e futuros, nos objetivos de consolidação da nossa Independência, ao mesmo tempo que lhe assegurava o domínio do mar, que tivera de manter, de 1825 a 1828, contra a República Argentina, na campanha da Cisplatina.
No que tange à consolidação da nossa Independência, não se há de olvidar o desempenho singular da fragata "Niterói", incorporada à Força, sob o comando do CF John Taylor, que deveria impor a nova ordem às tropas portuguesas do Gen. Madeira.
Taylor perseguiu a esquadra portuguesa fugitiva, até próximo a foz do Tejo, e, a bordo, por capricho do destino, encontravam-se Luís Barroso Pereira, imediato, que escreveu essa extraordinária ocorrência, e Joaquim Marques Lisboa, mais tarde Almirante Tamandaré, Patrono da Marinha.
Ainda ao tempo do Império, é de se destacar a célebre "Passagem de Tonelero", em 17 de dezembro de 1851, a primeira da nossa História, em que tomaram parte navios de propulsão a vapor, cujo feito ímpar, com Grenfell no comando da Esquadra, a bordo da fragata "D. Afonso", assegurou a livre navegação do rio Paraná, abrindo caminho para o domínio fluvial, tão importante, mais tarde, no êxito da luta na Guerra do Paraguai.
Segundo Jaceguai, o máximo do poder da nossa força naval foi atingido, em princípios de 1868, quando a nossa Esquadra em operações realizou o forçamento das fortificações de Humaitá. Então o número de unidades, de diferentes graus, que formavam o total da força naval do Império, atingiu a 75, montando 290 peças de artilharia.
A República, por sua vez, não trouxe para o País melhores dias.
Assim é que tivemos a guerra civil, conhecida como a "Revolta da Marinha", quando a Esquadra se dividiu em duas forças. Uma, a "Esquadra Legal", sob o comando do Almirante Jerônimo Francisco Gonçalves, e outra, a "Esquadra Revoltosa", sob o comando do Almirante Custódio de Melo, e, mais tarde, do Almirante Luís Felipe Saldanha da Gama.
O único combate havido, nessa refrega, entre irmãos de armas, verificou-se na barra norte de Santa Catarina, quando o encouraçado "Aquidabã", em poder dos revoltosos, foi atingido por um torpedo auto-propulsado, lançado do caça-torpedeiro "Gustavo Sampaio".
Esse foi um período difícil para a Marinha que se dividiu e se interromperam as construções navais.
Em compensação, como não há males que não venham para bem, começa, aí, a fase promissora de aquisição de unidades de grande porte, renovando-se a Esquadra, a que muito se deve ao então Ministro Alexandrino Faria de Alencar.
Em 1917, o Brasil declarou guerra à Alemanha, enviando à Europa uma Divisão Naval, sob o comando do Contra-Almirante Pedro Max Fernando de Frontin, constituída dos cruzadores "Rio Grande do Sul" e "Bahia", dos contra-torpedeiros "Piauí", "Rio Grande do Norte", "Paraíba" e "Santa Catarina"; do cruzador-auxiliar "Belmonte" e do rebocador "Laurindo Pitta".
Sobre essa Divisão, que tantas baixas sofreu, em Dakar, vítima da "gripe espanhola", pronunciou-se o Almirante Grant:
"Recomendo muito especialmente a Divisão Naval Brasileira. Entre navios de sete nações que tive sob minhas ordens, os brasileiros só me causaram satisfação".
Em 1922, deu-se a revolta militar com focos principais no Forte de Copacabana, na Escola Militar do Realengo e na Vila Militar, cujo movimento passou aos pósteros com o famoso feito dos "18 do Forte".
Na Segunda Guerra, providencial e sacrificante foi a influência da Marinha quer resguardando nosso litoral, com cerca de mil quilômetros, quer comboiando navios mercantes no transporte de passageiros ou de víveres para a sobrevivência das nossas populações.
O Brasil foi compelido a participar dessa hecatombe mundial não só devido ao torpedeamento dos seus barcos, entre 16 e 19 de agosto de 1942. pelo submarino alemão U-507, como aconteceu com o "Baependi", o Araraquara", o "Aníbal Benévolo" e outros, como também porque, muito antes, a 22 de março de 1941, trafegando de Chipre para Alexandria, foi metralhado o cargueiro "Taubaté", por um avião alemão, durante 70 minutos, quando ficaram feridos 13 tripulantes e morreu o conferente Fraga.
Até veleiros foram atacados com artilharia, pelos submarinos alemães, como é o caso do veleiro "Paracuri", de 300 toneladas e um outro, de 150 toneladas, ambos postos a pique.
Em 1942, foram torpedeados os seguintes navios: "Buarque", "Olinda", "Cabedelo", "Arabutan", "Cairu", 'Parnaíba', "Com. Lira", "Gonçalves Dias", 'Alegrete", "Paracuri", "Pedrinhas", "Tamandaré', "Piane", "Barbacena , "Baependi", "Araraquara", "Itagiba", "Arará", "Jacira", "Osório", "Lages", "Antonico", "Porto Alegre", "Apoloide", entre outros não identificados; em 1943, "Brasiloide", "Afonso Pena", "Tutoia", "Pelotasloide", "Bagé", "Itapagé" "C. Branco", "Campos" e outros não identificados; em 1944, o "Vital de Oliveira".
Entre as perdas sofridas pela Marinha de Guerra, enfrentando o inimigo preparado para a luta, com os mais modernos aparelhos bélicos, seria omissão imperdoável deixar de consignar o nome do navio auxiliar Vital de Oliveira , a primeira então sofrida, fato ocorrido, em 19 de julho de 1944, quando torpedeado às 23 horas, ao sul do Cabo São Tomás, cerca do 25 milhas da costa, sob o comando do CF João Batista de Guimarães Roxo e afundado pouco depois da explosão. Morreram 03 oficiais, 15 sargentos, 15 cabos, 11 1ª classe, 25 2ª classe, 11 grumetes, 11 taifeiros, 05 fuzileiros navais e 08 passageiros. Total: 100 mortos; o nome da corveta "Camaquã", torpedeada a 21 de julho de 1944, às 9 h 30 m, sob o comando do CC Gastão Monteiro Moutinho, irmão do nosso saudoso companheiro Min. Moutinho, com as seguintes baixas: 02 oficiais, 08 sargentos, 02 cabos, 08 1a. classe, 11 2a. classe, 06 grumetes e 03 taifeiros. Total: 40 mortos, sem se incluir o próprio comandante que afundou com o seu barco; o nome do cruzador "Bahia", já ao término da guerra, às 9 h 10 m, do dia 04 de julho de 1945, aproximadamente a 69 milhas ao SW dos penedos de São Pedro e São Paulo, sobre a linha do equador, quando servia de ponto de apoio para os navios que da África se dirigiam para os Estados Unidos, conduzindo tropas evacuadas na Europa.
A explosão, segundo parece, teve origem desconhecida, embora, no mesmo local, houvessem anotada a presença de um submarino alemão.
Perderam a vida 337 homens, dos quais se salvaram, apenas, 38, sendo um deles o 1º Ten. Lúcio Torres Dias.
Entre os mortos, contavam-se 15 oficiais, inclusive o comandante CF Garcia D'Ávila Pires e Albuquerque, 02 guardas-marinha, 15 suboficiais, 42 sargentos, 31 cabos, 195 marinheiros, 29 taifeiros, 09 soldados fuzileiros navais e 04 marinheiros norte-americanos.
Leio, na História de Roma, que era comum distinguirem-se os heróis pelas coroas que trouxessem à cabeça.
Pois bem, como seriam distinguidos, entre nós outros, os heróis da destemida Marinha de Guerra do Brasil, alguns, ainda vivos, testemunhas eloqüentes da epopéia que seus barcos descreveram nas águas traiçoeiras do oceano, pela integridade, pela grandeza e pela honra da Pátria; outros, muitos outros, dormindo o sono do dever cumprido, nas profundezas abismais do mesmo oceano, como testemunhas, também eloqüentes, do muito que fizeram pela mesma integridade, pela mesma grandeza, pela mesma honra?
Certamente, como penhor de reconhecimento, marcaríamos, como de fato marcaremos, os seus nomes, a ouro, na eterna memória do nosso povo, repetindo-os, sempre, para que fiquem bem gravados na consciência perene das gerações presentes e vindouras, como o fizeram os poetas épicos, de todos os tempos, na História da Literatura Universal:
'"As armas e os barões assinalados
Que da Ocidental práia Lusitana
Por mares nunca de antes navegados
Passaram ainda além da Taprobana,
E em perigos e guerras esforçados
Mais do que prometia a força humana,
Entre gente remota edificaram
Novo Reino que tanto sublimaram,
E também as memórias gloriosas
D'aqueles Reis que foram dilatando
A Fé, o Império e as terras viciosas
De África e de Ásia andaram devastando,
E aqueles que por obras valorosas
Se vão da lei da morte libertando,
Cantando espalharei por toda parte,
Se a tanto me ajudar o engenho e arte"
("Os Lusíadas", Camões, Cantos I e II).
Desejo concluir, abusando da generosa atenção de meus pares, com as palavras de Rui, sempre admiráveis, em "Cartas de Inglaterra":
O oceano impõe deveres. O mar é uma escola de resistência. Às suas margens os invertebrados e os amorfos rolam nas ondas e somem-se no lodo, enquanto os organismos poderosos endurecem às tempestades, levantam-se erectos nas rochas e criam, ao ambiente puro das vagas imensas, a medula dos imortais"
(p. 287)."
BIBLIOGRAFIA:
1) As Forças Navais Brasileiras - Capitão de Fragata Paulo Lafayette Pinto;
2) Poder Marítimo nas duas Guerras Mundiais - A. C. Raja Gabaglia
3) Dias de Guerra no Atlântico Sul - Paulo de Q. Duarte
4) Cartas de Inglaterra - Ruy Barbosa
5) História de Roma - Giordani
6) Os Lusíadas - L.V. Camões
7) O Expedicionário (A Voz dos que não ficaram em Pistoia) -Ano I, Nºs 4 e 9. "
A seguir, com a palavra o Exmo Sr Ministro FABER CINTRA, assim se pronunciou:
"Senhor Presidente,
Senhores Ministros.
Hoje, em justo preito à Marinha de Guerra, em nome de meus companheiros da Aeronáutica, nesta Casa, reverenciamos JOAQUIM MARQUES LISBOA, heróico marujo de outrora, tradição presente de nossa Pátria.
Exalto, assim, a nossa Marinha de Guerra, na pessoa do legendário TAMANDARÉ, arraigando um sentimento maior, fortalecido por heróicas reminiscências de glorioso passado.
Descubro-me noutra semântica, a do Aviador para o Marinheiro, universalizando sua participação na edificante missão de amar a Pátria, defender a liberdade e viver com honra.
Saúdo TAMANDARÉ, uma figura-símbolo, que mistura passado com o presente, neste marco evocativo de imorredouros atos de bravura e patriotismo.
Cultuo sua pranteada memória, como acervo exemplar para todas as gerações, bendizendo Deus que, numa predestinação maior o fez Brasileiro."
Com a palavra, a seguir, o Exmo Sr Ministro DILERMANDO GOMES MONTEIRO, assim se manifestou:
"Senhor Presidente, Senhores Ministros:
Desnecessário me parece repisar as referências às gloriosas tradições da nossa Marinha, não só já ressaltadas pelas belíssimas e profundas palavras do Eminente Ministro Jacy Pinheiro que evocou os feitos da Marinha desde as suas tradições em nosso continente sul americano, até as modernas façanhas na guerra contra o nazi-fascismo e, depois das palavras do Ministro Faber Cintra, evocando a figura do patrono máximo da Marinha, o Almirante Tamandaré, desejo tão somente que fique registrado o apreço, o respeito e os cumprimentos, dos Ministros do Exército com assento nesta Casa, aos nossos companheiros da nossa briosa Marinha da Guerra. "
A seguir, o Exmo Sr Dr Procurador Geral da Justiça Militar, Dr Milton Menezes da Costa Filho, associou-se às homenagens acima registradas, em nome do Ministério Público Militar.
A seguir, o Exmo Sr Ministro Alte Esq HÉLIO RAMOS DE AZEVEDO LEITE, proferiu as seguintes palavras:
"Senhor Presidente, Senhores Ministros:
Muito sensibilizado e emocionado, agradeço aos eminentes Ministros Jacy Pinheiro, Faber Cintra e Dilermando Gomes Monteiro e ao ilustrado Procurador-Geral, Dr Milton Menezes da Costa Filho, as palavras de saudações dirigidas à Marinha pelo transcurso do Dia do Marinheiro, quando é evocada a figura do seu Patrono, o insigne Almirante Joaquim Marques Lisboa, Marquês de Tamandaré.
Da brilhante galeria dos vultos notáveis da Marinha, distingue-se a figura daquele que foi talvez o marinheiro que mais serviços prestou ao seu país, na guerra como na paz.
Nascido a 13 de dezembro de 1807, natural do Rio Grande do Sul, ingressou Joaquim Marques Lisboa na Academia Imperial em 1823 como praticante de piloto, voluntário. Embarcado na fragata Niterói sob o comendo do John Taylor, tomou parte no combate de 4 de maio de 1823 em águas da Bahia, e no célebre cruzeiro realizado por aquele navio em perseguição à esquadra portuguesa, até às proximidades da foz do Tejo. Promovido a 2º Tenente por recomendação especial de Taylor, alcançou com destaque os sucessivos postos da carreira, tendo combatido em todas as lutas internas que na época se travaram, bem como na Campanha Cisplatina, na Campanha Oriental e, como Comandante-em-Chefe das forças navais do Brasil, na Guerra do Paraguai.
Foi Barão, Visconde, Conde e Marquês de Tamandaré. Dedicou-se à Marinha e ao Brasil com todo o amor e devoção, sendo sempre, e exclusivamente, marinheiro, consagrado como autêntico herói pelos inúmeros atos de bravura que praticou. Símbolo de virtudes cívicas, foi, por isso mesmo, elevado às honras de Patrono da Marinha por lei de 29 de outubro de 1946.
No dia 20 de março de 1897, cercado da admiração e do respeito dos seus concidadãos, falecia no Rio de Janeiro o grande varão que a história consagra e cuja memória hoje reverenciamos.
A este egrégio Tribunal, os Ministros que nele representam a Marinha agradecem a homenagem hoje prestada à nobre Corporação a que pertencem e ao seu ilustre Patrono.
Muito obrigado. "