ATA DA 14a. SESSÃO, EM 1º DE ABRIL DE 1 955.

PRESIDÊNCIA DO EXMO. SR. MINISTRO GENERAL CASTELLO BRANCO.

PROCURADOR GERAL DA JUSTIÇA MILITAR O EXMO. SR. DR. FERNANDO MOREIRA GUIMARÃES.

SECRETÁRIO, O SR. BACHAREL WYLMAR DUTRA DE MOURA.

Compareceram os Exmos. Srs. Ministros Dr. Cardoso de Castro, Dr. Vaz de Mello, Major Brig. Heitor Várady, Dr. Bocayuva Cunha, Almte. Octávio Medeiros, Dr. Murgel de Rezende, Gen. Alencar Araripe, Almte. Pinto de Lima e Gen. Góes Monteiro.

Deixou de comparecer, o Exmo. Sr. Ministro Brig.Armando Trompowsky, com causa justificada.

Às treze horas, havendo número legal, foi aberta a sessão.

Lida e sem debate, foi aprovada a ata da sessão anterior.

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Ao abrir-se a Sessão, o Sr. Ministro Presidente General Castello Branco, inicialmente congratulou-se com os Senhores Ministros pela dada de 1º de abril, em que se comemora mais um aniversário da fundação do Superior Tribunal Militar.

Justamente em 1º de abril de 1808, fundou-se o Conselho Supremo Militar de Justiça que naquela época era a cúpula da Justiça Militar como á hoje o nosso Tribunal. Com mais rigor tem, entretanto, uma existência de quase três séculos, pois pode-se assinalar o seu marco inicial o antigo Conselho de Guerra.

Declarou que não desejava, mais uma vez, traçar a brilhante trajetória de nossa Egrégia instituição. Isso seria feito, pela palavra expressiva de um de seus Ministros. Limitava-se, portanto, a fazer votos para que o nosso velho e tradicional Tribunal continue, pelo valor e serenidade de suas decisões a merecer o respeito dos brasileiros e constitua, como sempre, firme baluarte na defesa da disciplina o da ordem militar e, portanto, da própria segurança do país.

Em seguida, proferiu o Sr. Ministro General Alencar Araripe, as seguintes palavras, referentes à data: "A data de hoje recorda o alvará de 1º de abril de 1808, o qual criou no Brasil o "Conselho Supremo Militar", também chamado no mesmo alvará de "Conselho de Justiça Supremo Militar".

Aliás, esse ato constituiu mera transformação, pois outra cousa não se fez do que transplantar para o Brasil e fundir em um só os Conselhos de Gerra, do Almirantado e do Ultramar, de existência mais do que centenária em Portugal (x- Os Conselhos do Almirantado e do Ultramar tinham raizes na era dos descobrimentos. O Conselho de Guerra fora criador por D. João IV, em 1640 e funcionara inicialmente como Secretaria de Estado da Guerra). Nasceu assim o Supremo Tribunal Militar, mais tarde rebaixado a Superior Tribunal Militar.

Teve, portanto, razão o Marechal José Caetano de Faria, um dos mais lúcidos e operosos presidentes desta casa, e cujo centenário de nascimento também se comemora, ao consignar, em 1919, os quase três séculos de atividade proveitosa desta instituição, tanto como tribunal de apelação, tanto quanto órgão de consulta do governo (xx- Artigo do Jornal A Epoca de 20-X-1919). Cabe ao S.T.M.,de direito, a precedência de ancianidade sobre todos os outros Tribunais Superiores do país.

Nada mais útil e próprio, no dar ênfase à efeméride, do que rememorar, mesmo em rápidos traços, essa labuta de séculos, na persistência de seu papel moderador de guarda dos princípios norteadores da Justiça; como fator valioso de estabilidade das instituições militares e nacionais, nas transformações orgânicas e normativas com o afan de evoluir para adaptar-se às mutações políticas, econômicas, sociais e técnico-militares, que paulatinamente foram surgindo no país e no mundo.

Impuseram-se desde cedo a respeitabilidade e o prestígio da instituição. No Império, partilhando ela das atribuições do Executivo, como órgão de consultas no que dizia respeito aos interesses da Marinha e do Exército, sua autoridade excedia, de algum modo, a de reparador de injustiças de seu papel precípuo. Beneficiava-se da magestade do Poder Imperial. Seus membros provinham dos mais altos e mais respeitáveis dignitários militares da Nação.

Com a República, manteve-se a dupla tarefa de órgão de consulta e de tribunal de apelação criminal, mas, pouco a pouco, foi o já Supremo Tribunal Militar posto a margem das deliberações da administração militar, por força do surgimento de órgãos técnicos apropriados à. preparação dessas deliberações.

Não se afrouxaram, entretanto, os vínculos com as instituições armadas, que continuaram a tê-la como parte integrante fundamental de sua vida e organização. Como no Império, ascendiam a ministros do Supremo Tribunal Militar as mais altas expressões do generalato, marechais, almirantes e ex-ministros de Estado, como o melhor coroamento de carreira digna e profícua.

As idéias republicanas, democrática e revolucionárias deram maior ênfase à magestade de órgão supremo da judicatura mavórcia.

Tal vinculação jamais prejudicou a autonomia e a independência da ação judicativa e se interferências houve, por acaso, da administração na justiça militar nunca foram tão acentuadas como as que, na época, se operavam na justiça comum por parte do poder civil.

Eram conseqüências naturais das imperfeições e da compreensão da ciência jurídica na época.

Com essa contextura e com êsse conceito de respeitabilidade teve o Tribunal que enfrentar a onda que, a partir de 1905, mais ou menos, se lançou contra a instituição do foro especial secularmente atribuído aos militares e referendado pelas nossas cartas constitucionais. Na luta que se prolonga até nossos dias, prevaleceu a manutenção da jurisdição militar especial, como tem preconizado os tratadistas de todos os países e como tem sido seguido na quase totalidade dêstes. Foi-se pouco a pouco aperfeiçoando o aparelhamento, para tê-lo mais em harmonia com as exigências políticas, sociais e militares, sempre em evolução.

A reforma Epitácio Pessoa, de 1921, concretizou a mór parte dos desiderata dos juristas civis com o fim de libertar a Justiça Militar das sujeições e injunções dos organismos militares, porém não chegou a divorciá-la inteiramente desses organismos, mercê a resistência natural dos mesmos. Já de então, melhoraram as relações mútuas, sem subordinações restritivas ou imiscuições pertubadoras.

Com a revolução de 1930 e a Constituição de 1934, por indicação de um renomado Ministro do S.T.F., pretendeu-se cortar o cordão umbelical entre as instituições armadas e a Justiça especializada. De elemento intrínseco das Forças Armadas e, portanto,do Poder Executivo, passou a Justiça Militar a integrar-se no Poder Judiciário, sob a êgide de independência e harmonia dos poderes.

A nova situação não significou mudança de atribuições, de organização e de prerrogativas, de aspectos sensíveis. Não serviu para inovar independência e autonomia da jurisdição militar, que era cousa velha e aceita pelo consenso geral.

Levou êste Tribunal para a fileira dos seus congêneres civis, jogo do adjetivação e imposição velada de subordinação processual e jurídica. Com essa transposição perdeu o Tribunal alguma cousa, apesar da honrosa e magnifica companhia. Qual elemento exótico, passaram-no, no cerimonial, para a esquerda, desconhecendo a antiguidade de sua criação. E, como quem "vai ao ar perde o lugar", também no meio militar, foi desalojado, sua colocação ao lado do imperante e logo em seguida dos Ministros de Estado, decai para depois dos marechais e generais do Exército, quando não é esquecida.

É de esperar que essa situação não se consolide. Sob o domínio do bom senso e das exigências funcionais, há de ser reconhecida a categoria especializada deste Tribunal, sem prejuízo de sua filiação ao Poder Judiciário, como há de conservar-se-lhe a curul no seio das instituições armadas, única razão de sua existência.

Nos nos parece irrealizável a conciliação indispensável.

De tôda essa evolução o que mais enaltece a Justiça Militar e êste Tribunal, tem sido o próprio esforço de superar, durante longo período de tempo, as deficiências e incongruências de legislações arcáicas ou desatualizadas.

Cumpre lembrar que desse mal e dessa virtude sofria e sofre a Justiça comum, o que levou um dos comentadores da reforma da Justiça Militar a afirmar: "No sistema geral do direito, nenhum dos seus ramos é impulsionado com tanta intensidade quanto o direito criminal, mas aos progessos da doutrina não correspondem absolutamente os da legislação. Entre uma e outra é imensa a distância;separa-as talvez quase um século." (P.Moraes F°).

Não é, pois, de admirar que, desde 1856, se leia essa incisiva referência de Caxias à legislação judiciária Militar.

"Essa legislação que se acha em formal antagonismo com instituições que nos regem e a cuja penalidade repugna a razão e o direito, reclama altamente uma reforma de que resulte tão completo quanto é possível um C.P.M... um Código em que se combinem os princípios de humanidade e o rigor salutar reclamado pela disciplina que convem à força armada regular; um Código, enfim, cuja finalidade não toque o inexequível por severa, nem animo as reincidências por suave."

Apesar das tentativas de reforma, o mesmo brado é repetido quase quarenta anos depois por Benjamim Constant que extranha regerem-se os tribunais militares em 1890 pelo regulamento do Conde de Lippe.

A Justiça Militar soube vencer os óbices resultantes de uma tal irregularidade graças a atuação doutrinária de sua jurisprudência e ao trabalho pessoal de muitos de seus membros, no sentido de uma sistematização indispensável. Pode-se dizer que ela colaborou nas tentativas do Legislativo e do Executivo desde 1826 até hoje. Ai estão, além dos projetos e pareceres de comissões,os trabalhos do Visconde de Cachoeira, do Marquês do Paraná, ex-auditor de Marinha, do auditor Magalhães Castro, dos dois Cardoso de Castro, de João Pessoa, de Gomes Carneiro, etc.

Este Tribunal orgulha-se e se envaidece da obra realizada, com dedicação sincera aos supremos interesses da sociedade e das Forças Armadas, nestes séculos de vida. Conforta-se e conforma-se com a atitude dos obreiros anônimos, mesmo quando na messe de benefícios auferidos pela coletividade nem sempre são percebidas as magoas do seu sacrifício.

Por tudo isso aqui não se esquece essa grandiosa constelação de numes tutelares da nacionalidade que ilustraram esta casa e para cuja memória, sintetizada na do seu primeiro presidente D. José Xavier de Noronha Camões de Albuquerque Sousa Muniz, Marquês de Angela, Conde de Vila Verde, elevamos o nosso pensamento de veneração; e também aqueles companheiros aposentados, de quem não nos separamos, nesta hora de consagração, de reconhecimento e de inconfundível senso da responsabilidade de nossa missão relevante."

Finalmente, o Sr. Dr. Procurador Geral da Justiça Militar associou-se às manifestações do Tribunal.

Lembrou-se depois o Sr. Ministro Presidente que dia 21 de março último, assinalara o centenário do ilustre brasileiro do grande soldado e do perfeito magistrado Marechal Caetano de Faria. Estava, entretanto, informado que sôbre a data falariam vários dos Srs. Ministros, dando inicialmente a palavra do Sr. Ministro Togado Dr. Cardoso de Castro que se referiu ao ilustre extinto com as seguintes palavras: "Desobrigo-me do dever que me impuz de proferir algumas palavras em recordação da memória do meu grande amigo Marechal José Caetano de Faria cujo aniversário de nascimento se comemorou em 21 do mês findo nesta Capital.

Essas palavras têm o cunho inteiramente pessoal de amizade em recordação da figura de tão grande militar brasileiro.

Amizada a época do Coronel Comandante do antigo 1º Regimento de Cavalaria estacionado à iia Figueira de Melo, em são Cristóvão, aquele Coronel dos bons tempos de juventude.

Era um desses jovens.

Recebi desde então do Marechal Faria um tratamento afetuoso e paternal sempre dispensando mesmo quando atingiu o Generalato e o Marechalato.

Passaram-se os anos.

Hão de compreender os Srs. Ministros o nosso estado d'alma quando ingressei neste Tribunal, reunido em sessão sob a presidência do Marechal Faria e de pé e das mãos dele recebi o livro para ler os têrmos de compromisso de posse no cargo de Ministro dêste Tribunal.

Era o jovem de então que passava a colega.

Suas palavras de saudação foram breves, como era de seus hábitos, mas não esconderam a sua satisfação por dar posse a dois Auditores: Cardoso de Castro e Barbosa Lima, em promoção ao cargo de Ministro do Tribunal, interrompendo a seqüência de nomeações para o Tribunal de elementos estranhos à Justiça Militar, embora, por seus méritos, merecedores de altas investiduras em outros postos da administração.

Sessão seguinte a da posse, sentado à sua esquerda, relatou-se um processo e votei em primeiro lugar, e, em seguida, o meu colega Barbosa Lima, e declarados os votos ouvi a meia voz do Marechal Faria, na sua cadeira da Presidência:

- Até que enfim se pode tomar votos concientes de novos Ministros.

Tudo a meia voz sem quebra do respeito.

Sereno na Presidência, não perdia a serenidade mesmo ao calor do embate das discussões.

Na Presidência das sessões era atento aos relatórios e fundamentação de votos e por seu cérebro privilegiado notável era a sua faculdade de apreensão da matéria em casa e a capacidade mental de síntese ao propor a deliberação do Tribunal em forma de lembrança delicada aos desatentos, sob fórmula de equação, ou "resumo", como apelidado, e recolhidos os votos e proclamado o resultado da votação, não permitia o retôrno aos debates sôbre a matéria votada.

Recomendava e dava o exemplo - no intervalo da sessão, na sala do café, desejava e recordava sempre que as nossas palestras não versassem sôbre assuntos tratados antes em sessão, e encerrada a sessão, pelo toque de campainha, já na "sala das becas",quando havia troca de impressões sôbre alguns dos nossos julgamentos, voltava a recordar - "A sessão foi encerrada" -, como que recomendando a cada um a necessidade de repouso intelectual.

Essa é a recordação do meu velho e querido amigo Marechal Faria, recordação de saudade o do afeto entre dois bons amigos.

Não desejava ficar em silêncio durante a comemoração do centenário de nascimento do Marechal Faria e essa a razão do meu preito de homenagem à sua memória."

Em seguida, pedindo a palavra pela ordem, o Sr. Ministro General Alencar Araripe, assim se manifestou sôbre a pessoa do ex-Presidente e Ministro, Marechal Caetano de Faria:" Sugeriu o Sr. General Presidente que falasse, na qualidade de oficial do Exército, nesta singela homenagem que o Tribunal rende ao seu ex-Presidente e Ministro Marechal José Caetano de Faria, no ensejo da comemoração do centenário de seu nascimento.

Não sendo lícito que me excuse ao mandato, peço desculpas por esta reincidência no cacetear a Vas. Excias. com as minhas enfadonhas arengas.

As comemorações de datas históricas, como as homenagens a vultos do passado, tem finalidades caracteristicamente pragmáticas. A par de serem manifestações ostensivas de reconhecimento e gratidão, elas redundam em lições que se pretende transmitir às gerações presentes como melhor exemplificação dos esforços que a estas tocam. Os objetivos práticos que elas colimam, do alcance precipuamente patriótico, restringem o campo histórico das análises e conclusões dos panegiristas. E pela contingência da exaltação dos feitos prestantes e do afastamento das falhas prejudiciais,os conceitos desses panegiristas não significam, na maioria das vezes, um julgamento histórico-científico.

Essa circunstância bem caracteriza a delimitação entre a História pragmática, prática, pedagógica e política e a História verdadeiramente científica, embora vise, também, esta última fins pedagógicos e educativos.

Por outro lado, a escolha dos vultos, paradigmas de virtudes, não pode ser arbitrária e ocasional e deve, ao contrário,obedecer à metódica sistematização que evite descuidos e omissões, não cabíveis na justiça da posteridade. Dai a especial atenção com que devem ser apontados os patronos das armas e dos corpos e os símbolos das virtudes cívico-militares, mediante o estudo comparado das respectivas atividades e situações.

Na ausência dessa sistematização, corre-se o risco de promover homenagens que não condizem com a atuação em que se consagrou o escolhido, e a vulgarizar essas homenagens, desvirtuando, por isso e por manifestações inexpressivas, a sua respeitável finalidade.

Em nenhum lugar melhor se casam as rememorações da vida profíqua do Marechal Faria do que nêste Tribunal. Aqui se realizou e se consolidou o coroamento da obra erguida paulatinamente pelo esfôrço, pela dedicação; pela inteligência e pela vontade; pelo equilíbrio e pelo bom senso; pelo sentimento de responsabilidade e de ação criadora; pelo amor à carreira das armas e à dignidade da função de chefe; pelo espírito público e pelo conhecimento dos homens; pelo sentimento sacrosanto de justiça.

Teve êle, aqui, como muitos outros grandes vultos, a pedra de fecho de um sólido e sóbrio edifício, representativo de vida útil à pátria.

Sua passagem pelo Tribunal corresponde à fase crítica para Justiça Militar e para a vida política da Nação. Reacende-se então a campanha para a reestruturação da referida Justiça, segundo as tendências civilistas a que já nos referimos e ocorrem os movimentos revolucionários de 1922, 1924, 1930 e 1932. Coube ao Ministro Faria e aos seus pares preservarem as tradições e as prerrogativas da instituição, assediadas de um lado, pelos excessos dos reformistas a ultrance e, doutro lado, pelo zelo excessivo dos defensores do poder.

Em 1919, vemo-lo discutindo o ante-projeto de reforma, com a subtileza e o senso da realidade que lhe era peculiar"... Si no correr da vida de uma Nação, é essencial à ordem pública a distribuição de imparcial e impoluta justiça civil, na vida militar a distribuição serena e incorruptivel da justiça assume carater essencial da própria manutenção das forças armadas cujos fundamentos são a disciplina e a hierarquia.

"Levar ao seio dessas classes os excessos de demagogia e liberdade mal compreendidas é arriscar o próprio valor dessas instituições e comprometer até o futuro do país. E si tais excessos atingem o aparelho primordial de sua vida - que é o distribuidor da justiça do fôro especial, universalmente reconhecido como necessário e indispensável - de modo a torná-lo inócuo, será preferível, de vez, suprimí-lo (x- Jornal "A Epoca'' de outubro de ..1919, reproduzido pelo Arquivo Militar).

Sua participação em crítica construtiva aos projetos de organização judiciária e do código penal militar foi incisiva,principalmente quando a competência do foro e o entendimento do delito militar. (xx- Parecer sôbre o Projeto de Reforma da Justiça,de 1920). Se não conseguiu satisfazer tôdas as aspirações das classes militares, segundo o pensamento dominante na época, quebrou muitas das arremetidas contra essas aspirações.

Presidente do Tribunal de 1926 a 1934, teve que enfrentar os problemas surgidos das agitações políticas, que culminaram com a queda do govêrno e a revolução de 1932. Não deveriam ter sido pequenas as preocupações do venerando presidente nesses dias agitados. Mas nunca se articulou qualquer fraqueza de sua parte na salvaguarda do prestígio e respeitabilidade da instituição.

Sua permanência de 15 anos, em contínua vigília d´armas, neste Tribunal, justifica, por si só, tôda a nossa veneração por sua memória e pela benemerência de sua atuação de grande chefe.

Mas nos nos esqueçamos que, quando aqui chegara, já podia ter tido como benemérito das Forças armadas e da Nação.

Havia sido Chefe do Estado Maior do Exército no governo Hermes da Fonseca e Ministro da Guerra no quatriênio Wenceslau Braz, duas fases marcantes na evolução do Exército.

No govêrno Hermes da Fonseca, em que a agitação política não permitiu que tivessem forma completa as reorganizações, providências e planos do ministro Hermes, um grande evoluido nas idéias militares, a atuação de Caetano de Faria foi discreta e não se destacou por nenhum empreendimento do relevo. É que não havia ainda no Estado Maior do Exército organização e compreensão compatíveis com a sua real finalidade. Chefe sereno, reservado, discreto e cuja opinião só se tornava conhecida na oportunidade apropriada, o General Faria teve a virtude de não se envolver, nem deixar que se envolvesse o Estado Maior no surto intervencionista dos “salvadores" em que se lançou grande parte da oficialidade do Exército.

Há, contudo, um facies de sua personalidade que nessa época passa a exercer influência nas transformações que se desencadeariam, daí por diante, em nossa organização de terra. Vindo do Exército antigo, quase colonial, de hábitos rotineiros, sem apêgo aos progressos da arte militar e em que os oficiais se dividiam em três grupos, os cultos-teóricos e meio alheios à profissão, os profissionais propriamente ditos de conhecimentos militares restritos e os oficiais sem curso, os tarimbeiros, Caetado de Faria, homem de inteligência desenvolvida e de largo descortinio, deixou-se influenciar pelas idéias renovadoras dos "jovens turcos" e, sem alarde, passou a adotar muitas dessas idéias. Ainda Chefe do Estado Maior, colabora nas páginas de “A Defesa Nacional", versando os problemas mais urgentes da reestruturação militar. É êle próprio que escreve, por ocasião do primeiro aniversário da revista: "O nosso Exército está, há alguns anos, em uma fase de evolução intensa; ê1e procura a forma de sua organização definitiva, problema complicadíssimo entre nós; pois, trata-se de organizar um exército capaz de defender um país enorme, sem população relativa à sua extensão e pobre de todos os recursos.

"É preciso portanto que a organização permita tirar o máximo proveito dos elementos que conseguir reunir, e que a inferioridade numérica seja compensada pela superioridade da instrução.

"A demora na solução do problema veio aumentar a dificuldade, porque fomos alcançados pela crise financeira, a qual nos obriga a só cogitarmos de soluções econômicas.

"A colaboração de uma revista como A Defesa Nacional será portanto preciosa, porque colocando-se como até agora, acima dos interesses pessoais, ela poderá contribuir com muita eficiência para a pesquiza das soluções que convenham ao nosso Exército nas múltiplas questões que tem a resolver; e para justificar essa asserção basta folhear os números já publicados e que hoje formam o 1º volume; nêle se encontram estudos sôbre as diversas questões militares que na atualidade mais nos interessam, como sejam o serviço militar obrigatório, a instrução militar da Nação, a organização divisionária do Exército o recrutamento,etc."

Essa citação é oportuna porque em suas linhas finais contam as idéias mestras que norteiaram as realizações do Ministério Caetano de Faria, de 1914 a 1918.

Pode-se dizer que o General Faria, sem que deixasse transparecer, foi um verdadeiro "jovem turco".

Cumpre-nos dizer aqui que o quatriênio Wenceslau Braz, de fisionomia e tendências tipicamente civis, foi aquele em que a estrutura militar do Brasil teve o seu maior surto. Foi graças à receptividade de Caetano de Faria e de Wenceslau Braz às idéias renovadoras que se realizou nesse período verdadeira revolução no meio militar brasileiro. Contribuiram para isso, não nos devemos esquecer a ação doutrinadora de Leitão de Carvalho, Klinger, Souza Reis e outros, e a intervenção oportuna de Tasso Fragoso e Pedro Cavalcante, da Casa Militar do Presidente e de Leitão de Carvalho, do Gabinete do Ministro da Guerra.

Basta e enumeração do que foi realizado para sentirem-se o vulto e a profundidade da reforma: Leis do Ensino de 1914 e de 1918, oficialização da Confederação dos Tiros de Guerra com a Diretoria dos Tiros de Guerra; criação do Campo de instrução de Gericinó; criação do Serviço Geográfico; reorganização do Exército com a constituição das cinco divisões, comando, tropa e serviços indispensáveis; nova lei de promoções; reorganização do Estado Maior do Exercito, à luz dos ensinos mais recentes; formação do quadro de instrutores para os Tiros de Guerra e a execução da Lei do Serviço Militar obrigatório.

Não se realizaram essas transformações sem que se opuzessem resistências naturais em meio onde não havia compreensão das necessidades de defesa nacional. E foi justamente ai que se acentuaram a habilidade e a cautela do Presidente, do Ministro e dos seus colaboradores. Procuraram, antes de tudo, criar ambiente propício às inovações. Surgem então a Liga de Defesa Nacional, a campanha de Bilac e da imprensa, a influenciação do Congresso e dos governos estaduais. Procederam com segurança e firmeza.

Aliás, Presidente e Ministro tiveram por si o comedimento imposto pelas possibilidades de realização.

Mesmo a agressão tedesca e a posterior declaração de guerra à Alemanha não os afastaram desse timbre. Encararam a participação na contenda, com a medida do possível, isto é, dos recursos e da mentalidade do meio.

Foi tal senso da realidade que levou o General Faria a decidir pela não participação do Exército nas operações na Europa,por não estar em condições de fazer figura razoável. Criticaram-no, na época, mas a análise fria das condições do país e do exército só podia concluir pelo acêrto de sua decisão.

Por tudo isso merece ser relembrada a atuação desse chefe, provindo da Cavalaria, dedicado aos misteres profissionais de sua arma e que também teve oportunidade para desenvolver a cultura geral, como professor que foi de matemática elementar e superior e como escritor acatado em assuntos da profissão.

A Nação, o Exército e a Justiça Militar lhe devem inolvidá-veis serviços".

Em seguida, usou da palavra o Sr. Ministro Dr. Vaz de Mello, que teceu comentários sôbre a vida pública e particular do Marechal Caetano de Faria, cujas qualidades exaltou, dizendo ser das mais justas a homenagem que o Tribunal prestava à sua memória.

Usaram, ainda, da palavra para externar o seu aprêço e reconhecimento dos relevantes serviços prestados pelo Marechal Caetano de Faria, os Srs. Ministros Dr. Bocayuva Cunha e Dr. Murgel de Rezende.

O Dr. Procurador Geral, em seu nome o no do Ministério Público, se associou às homenagens prestadas pelo Tribunal ao Marechal Caetano de Faria.

Em seguida, o Tribunal aprovou, unânimemente, a proposta do Sr. Ministro Dr. Cardoso de Castro, no sentido de ser enviada uma cópia da Ata à família do Marechal Caetano de Faria, com as homenagens prestadas pelo Tribunal.

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Acha-se em mesa o seguinte processo:

Ses. de 27 de dezembro de 54:

Revisão Criminal 686 (MR/BC)

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Foi, a seguir, encerrada a sessão.