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SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR
ATA DA 54ª SESSÃO, EM 7 DE AGOSTO DE 1978 - SEGUNDA-FEIRA -
PRESIDÊNCIA DO MINISTRO ALMIRANTE-DE-ESQUADRA HÉLIO RAMOS DE AZEVEDO LEITE.
PROCURADOR GERAL DA JUSTIÇA MILITAR: DOUTOR MILTON MENEZES DA COSTA FILHO.
SECRETÁRIO DO TRIBUNAL PLENO: DR CLÁUDIO ROSIÈRE
Compareceram os Ministros Waldemar Torres da Costa, Augusto Fragoso, Jacy Guimarães Pinheiro, Rodrigo Octávio Jordão Ramos, Octávio José Sampaio Fernandes, Reynaldo Mello de Almeida, G. A. de Lima Torres, Deoclécio Lima de Siqueira, Ruy de Lima Pessoa, Gualter Godinho, Julio de Sá Bierrenbach, Délio Jardim de Mattos e Carlos Alberto Cabral Ribeiro.
Ausente o Ministro Faber Cintra, com causa justificada,
Às 13.30 horas, havendo número legal, foi aberta a Sessão.
Lida e sem debate, foi aprovada a Ata da sessão anterior.
Após a leitura da Ata, solicitou a palavra o Ministro Dr. Jacy Guimarães Pinheiro, que assim se manifestou:
"Senhor Presidente e Senhores Ministros
É com o mais profundo pesar que pediria fosse assinalado, na Ata dos trabalhos desta Corte, um acontecimento, deveras, contristador: o falecimento, ontem, em Roma, do Giovanni Battista Montini, Sua Santidade o Papa Paulo VI.
Não poderia eu deixar de fazê-lo, não só porque 500 milhões de católicos, hoje, acham-se de luto, afora o sentimento de outros milhões de sinceros admiradores, como também porque dois fatos marcaram, em mim, imorredouras impressões da sua personalidade, os quais passarei a narrar.
Estava eu, na Basílica de São Pedro, no dia 19 de março de 1965, quando, inopinadamente, as portas daquele templo se fecharam.
Fiquei, então, atônito, pois não dispunha de muito tempo para permanecer, naquele respeitável lugar, tal a perplexidade de quem deseja reter, nos olhos, gulosamente, toda a magnificência da legendária Cidade Eterna, com a riqueza dos seus museus, o requinte da sua arte, a imortalidade da sua história.
É que era Dia de São José e o próprio Pontífice iria celebrar a missa comemorativa, ocorrência que não era comum a qualquer visitante, naquela oportunidade.
Ao passar, na cadeira gestatória, seguido pela guarda suíça, pomposamente vestida, o Santo Padre ia abençoando os fiéis, entre alas que se abriram, todos ajoelhados, no mais absoluto e contrito silêncio.
Fiquei muito perto de Sua Santidade e pude observar lhe a fidalguia dos gestos, a candura do olhar, a delicadeza do porte físico, bem como a palidez do rosto, denunciando os cuidados da sua então frágil saúde.
A cerimônia foi oficiada em latim e a prédica, em italiano puro, cristalino, musicalizado, embora com a voz, por vezes, amortecida.
A seguir, Sua Santidade saudou os presentes, que se manifestavam, delirantemente, em explosões de vivas, fazendo o em francês, em inglês, em espanhol, em alemão, em árabe, só restando o português, idioma em que também se expressava com maestria.
Foi um espetáculo singular, capaz de enlevar os espíritos menos sensíveis, ainda que não fossem cristãos.
O outro fato verificou-se em 1971, em pleno governo do Presidente Emílio Garrastazu Médici, quando era eu Procurador Geral desta justiça. Nessa ocasião, dirigi-me a Sua Santidade, imprudentemente em latim, pedindo uma bênção especial para o Brasil, no Natal que se avizinhava, o que foi feito, conforme todos devem estar lembrados e me foi comunicado oficialmente.
Lendo
e ouvindo os comentários, em torno da sua vida, inteiramente devotada à Igreja
e à humanidade, impressionou-me saber que Giovanni Battista
Montini desejava ser, apenas, um modesto sacerdote
paroquial; que, ao descer, em Milão, já arcebispo, trazia, somente, três
simples malas, mas, em compensação, trazia, consigo,
90 caixas de livros; finalmente, que
Por fim, se tudo isso não bastasse, para consagrar essa trajetória de esplendor, bastaria o Concílio Ecumênico II, onde a figura incomparável de Paulo VI projetou-se além dos domínios da criatura humana, prostrando-se nos umbrais dos séculos, da imensidão infinita dos mistérios da divindade.
Desejando ser o servo de todos os servos, como o dizia, Paulo VI, na sua humildade, tornou-se uma das figuras presentes, neste transcurso do século XX, pregando o Amor, onde havia ódio e fome; semeando a Fé, onde havia descrença e egoismo; espargindo a Luz, onde as trevas cobriam de luto a esperança da terra e a consciência ensanguentada dos irmãos.
Peço a V. Exa., Senhor Presidente, se deferido for este voto de condolências, seja feita a respectiva comunicação à Nunciatura Apostólica, nesta Capital, em nome dos eminentes integrantes desta Casa."
A seguir, o Ministro Rodrigo Octavio pronunciou as seguintes palavras;
"Sr Presidente. Senhores Ministros.
A figura que acaba de desaparecer - Papa PAULO VI -é daquelas que merecem acendrado respeito e admiração de todos os habitantes deste mundo, quaisquer que sejam as suas ideologias políticas, religiões e raças.
Na verdade, foi o homem predestinado para dirigir a Igreja, numa época de transição porque tendo convivido com 2 eminentes Papas - um, conservador, Pio XII, outro progressista, João XXIII,- constituiu um elo de ligação entre a tradição e a renovação da Igreja Católica, procurando ainda conciliar e reunir todos os cristãos, dentro do espírito de caridade e solidariedade humana, malgrado as suas diferenciações religiosas ou políticas.
Por isso mesmo, foi a vida de PAULO VI dessas que nobilitam a servidão humana, dignificam o sacerdote e exaltam o estadista porque ele, na verdade, foi um "homem além do seu tempo".
Em seu pontificado esforçou-se, tenazmente, não obstante a sua debil saúde, em congregar o mundo através do Ecumenismo. Daí seu encontro com o Patriarca Atenágoras, em Istambul, seguido do discurso feito nas Nações Unidas em que ele procurou conciliar-se com os protestantes, prosseguindo em sua notável ação diplomática e apostolar para que se abrissem as portas da Cortina de Ferro à prática do catolicismo, visando a existência de um mundo só, na expressão de Wendell Wilkie, onde todo ser humano, sem distinção de credo religioso ou regime político, possa, pela compreensão e tolerância, gozar do bem comum, na acepção de João XXIII.
Por isso mesmo foi incompreendido, por alguns, mas é preciso viver a situação dessa figura humana que por 15 anos dirigiu os destinos da Igreja Católica, em um dos períodos mais difíceis de sua existência, na controvérsia que se travou entre a tradição e a renovação imposta pelo Concilio Vaticano II, concluído em seu pontificado, ainda que iniciada por João XXIII.
Na verdade, buscava Paulo VI na renovação da Igreja o Ecumenismo, visando a preservação da paz e a defesa da Justiça Social, com suas benesses no âmbito internacional. Queria que os homens fossem cada vez melhores e assistissem caridosa e conscientemente, neste mundo conturbado, seus semelhantes menos favorecidos, onde os pobres são cada vez mais numerosos, por uma melhor distribuição da riqueza, hoje concentrada nos povos desenvolvidos, que cada vez mais egoistas, ignoram os sub-desenvolvidos em sua ânsia impositiva da erradicação da miséria, da fome e do atrazo não só econômico como social.
Tive a oportunidade de ler todas as suas Encíclicas das quais destaco duas: a Populorum Proqressio, em que estabelecia as bases dentro dos princípios da Economia Política, para a conduta social dos homens e a orientação dos programas de progresso dos povos subdesenvolvidos e a Humane Vitae, condenando a contracepção num mundo que deriva rápida e assustadoramente para um quadro imprevisível do sexualismo descontrolado.
Dizia ele, em conseqüência e com muita propriedade, que a violência dos governantes é tão condenável quanto a dos governados, e por isso mesmo procurava com a sua figura pontifícia de Peregrino da Paz, fazer com que os Direitos Humanos fossem respeitados da melhor maneira possível por todos os povos e governos - democráticos e totalitários - incutindo-lhes a compreensão nítida de que o homem é um ser acima de todas as coisas existenciais e se materialisa como verdadeira razão da humanidade, devendo, por isso serem promovidas condições adequadas para viver dentro da paz, da harmonia e dos sentimentos de fraternidade cristã. Talvez tenha sido entre muitos católicos considerado um indeciso na forma como lhe eram apresentados problemas tais como a dissidência do arcebispo francês, que era um conservador e do arcebispo holandês de outro lado, que era de uma intolerância radical. Buscou, em luta ingente, contrabalançar e ajustar essas pressões que se faziam sobre a Igreja Católica cumprindo, assim, magnificamente o seu apostolado.
Em Junho de 1973 o discurso sobre as relações entre a Igreja e o Estado, traz uma condenação veemente ao terrorismo, reiterada em diversas manifestações verbais e escritas nos anos seguintes. Já em Dezembro de 1973, em mensagem ao Mundo no dia da Confraternização Universal, ele clamaria, angustiadamente, que o terrorismo, a tortura e o aborto são exteriorizações criminosas contra a vida humana e a paz universal.
É preciso que se ressalte, ainda, o seu esforço para manter a Igreja dentro de suas bases sagradas em uma época em que era indispensável a evolução e a adaptação. Por isso foi revolucionário e conservador, mas sem abandonar sua linha de prudência e moderação sempre a favor do diálogo, das negociações e da transigência, para conter os conflitos internacionais.
Um estudo mais aprofundado de sua vida, como certamente Vv. Excias já o fizeram ou então terão oportunidade de fazer, dada a publicidade que de hoje para amanhã surgirá em torno dessa figura exponencial do catolicismo, mostrará que não só a Igreja mas o mundo perdeu um homem, perdeu um sacerdote, perdeu um guia, cujas qualidades credenciaram-no a entrar na galeria dos grandes Papas, que tanto dignificaram a Igreja e a Humanidade.
Seu pontificiado, em resumo, pode ser exaltado por quatro idéias básicas que lhe nortearam, continuadamente, a ação notável em benefício dos homens e do mundo em que viveu: a expansão do ecumenismo, a defesa do homem, a preservação da justiça social e da paz internacional.
Sr. Presidente, secundando as palavras do Ministro JACY GUIMARÃES PINHEIRO, pego a V Excia, consultados os Srs Ministros, que seja encerrada a Sessão em em transcurso podendo ser convocada, após ouvido o Plenário, imediatamente outra Sessão.
Com a palavra, a seguir, o Ministro Gualter Godinho, assim se expressou:
"Senhor Presidente. Senhores Ministros.
Os órgãos de comunicação e divulgação do País, precisamente às 17 horas de ontem, noticiaram o infausto passamento do Papa Paulo VI, lider espiritual de cerca de setecentos milhões de católicos em todo o mundo, vitimado por um ataque cardíaco.
Sua Santidade - Papa da era de tradição iniciada com o Concílio Vaticano II -, teve seu pontificado marcado por uma fase de renovação da Igreja e de ecumenismo.
Retratam a constante preocupação de Paulo VI pelos destinos e bem estar da humanidade, nesta época conturbada porque passa o mundo, as sete Encíclicas que publicou durante seus quinze anos de gestão como Primeiro Dignatário da Igreja:- uma, de carater social: - a "Populorum Progressio"; uma, de carater doutrinal e social - a "Humanae Vitae" e cinco doutrinais.
Permanente era a apreensão do Santo Padre pela União da Igreja e compreensão dos responsáveis pela pregação de sua doutrina - como tive a oportunidade de constatar, pessoalmente, ao ouvir suas prédicas, em Roma, durante o Ano Santo. Conseguiu Paulo VI, mercê de sua autoridade espiritual e moral incostestável, evitar desdobramento dentro da Igreja, contornando situações criadas por correntes de opiniões e rituais conflitantes, representadas pelos chamados "progressistas", que propugnam pela atualização e modernização da doutrina católica, e pelos "conservadores", que não admitem tal orientação, nos termos em que é proposta, sendo fiéis à Igreja Tradicional.
Papa itinerante, Paulo VI percorreu todos os continentes, levando a todos os povos uma mensagem de amor e de paz entre os homens - independentemente de credos e de raças -, em defesa dos oprimidos e das vítimas inocentes do terrorismo insensato e inconsequente.
Mau grado as incompreensões de que foi alvo, o eminente e saudoso extinto pode e deve ser considerado o Apóstolo da Paz. A História, certamente, lhe fará Justiça.
Senhor Presidente, Senhores Ministros.
Representando, estou certo, a consternação de todos quantos militam nesta Casa, proponho a inserção na Ata de nossos trabalhos de um voto de profundo pesar pelo falecimento do Santo Padre Paulo VI, dando-se do fato ciência ao Núncio Apostólico credenciado junto ao Governo brasileiro e ao Arcebispo de Brasília."
Às homenagens póstumas acima transcritas, associou-se o Dr Milton Menezes da Costa Filho, em seu nome e em nome do Ministério Público Militar.
A Sessão foi encerrada às 14.00 horas.