ADITAMENTO À ATA DA 33ª SESSÃO DE JULGAMENTO, EM 12 DE JUNHO DE 1997

Palavras de agradecimento do Ministro CARLOS DE ALMEIDA BAPTISTA pelo aniversário do Correio Aéreo Nacional:

"Sr Presidente, Srs Ministros, Sr Procurador-Geral, sinto-me muito lisonjeado ao receber a incumbência, por parte do Ministro Carvalho, para agradecer em nome dos Ministros da Força Aérea aqui presentes as referências que V Exª fez, e que representa com certeza o pensamento dos componentes deste Plenário a respeito do dia do Correio Aéreo Nacional.

Lamento que não seja o próprio Ministro Carvalho, em sua reta final aqui no Plenário, como o mais antigo e como decano da Força Aérea Brasileira a fazer esse agradecimento, pois é sempre um prazer ouvir o Ministro Carvalho, especialmente quando enfoca essas datas históricas, não só da Força Aérea, mas pelo seu conhecimento da história militar, do Exército e da Marinha também.

Disse-lhe, ontem, que com certeza gostaríamos de ouví-lo uma vez mais, sobre esta data, mas ele disse que não achava conveniente, pois não se sentia mais a vontade, já que ultimamente exteriorizava um sentimento, uma angústia que achava agora inadequada. E, então, me passa a palavra, esperando que eu não extravase essa angustia. Mas não posso deixar de fazê-lo, Senhor Presidente.

Tenho uma inveja fenomenal, pois estava presente quando o Ministro Domingos, agradecendo em nome da Marinha à homenagem pela passagem da Batalha do Riachuelo, disse que lá na Marinha estava tudo bem e que os seus meios estavam adequados. Aliás, esse sentimento de inveja, entre aspas, pela Marinha é muito antigo. Eles marcham coesos, entre as dificuldades e as intempéries e jamais os vi exteriorizarem uma queixa a respeito das suas possíveis dificuldades. O Exército também é assim. É difícil ouvir por parte dos companheiros do Exército qualquer crítica a respeito da situação, das coisas como pioram e como deterioram. Mas não é assim que agimos nós. É um defeito da Força Aérea, talvez por ser mais jovem. Talvez o melhor caminho seja, realmente, entre as próprias paredes lavar a roupa suja e formar uma corrente que a tire das dificuldades.

Hoje, ao Campo dos Afonsos, não fui por dois motivos: um porque tenho três processos e outro porque estava encarregado de fazer esse agradecimento, mas, principalmente, por um terceiro motivo não fui. A tristeza que vi em Santa Cruz, no dia 22 de abril passado, não a quis repetir no dia 12 de junho presente. Com certeza iria encontrar lá ainda mais de l00, talvez 200 veteranos do Correio Aéreo Nacional, que todos os anos lá vão. Colocam o bonézinho do CAN e marcham com muito entusiasmo, liderados pelo sempre presente Coronel Arruda, numa reverência ao que foi o Correio Aéreo Nacional, ao que foi e ao que não é mais, apesar de estar nas páginas da Constituição como missão da Força Aérea Brasileira. Em Santa Cruz, no dia 22 de abril, perdemos o entusiasmo todos, por vermos os nossos aviões de combate deteriorados, prestes a encerrarem as suas atividades sem que nenhuma possibilidade de substituição esteja a vista. A nossa sociedade, os representantes da nossa sociedade não vão sossegar enquanto não extinguirem as possibilidades da Indústria Aeronáutica Brasileira que, com as demais indústrias bélicas do país, já esteve entre as cinco maiores do mundo, com toda a possibilidade de colocar no acervo da Força um avião tão bom ou melhor dos que estes que já estão encerrando suas atividades por terem mais de 20 anos de serviço na FAB.

Um dia a sociedade vai analisar o que aconteceu de uns anos para cá e verificar, com muita tristeza, a forma brutal com que foram aniquiladas as possibilidades da indústria bélica, compreendendo esta e a indústria naval, a indústria aeronáutica e a indústria da força terrestre. Eu costumo dizer que o ponto principal onde nossos filhos vão se envergonhar será quando eles virem estampado nas primeiras páginas dos jornais; do dia seguinte ao ocorrido aquela pá de cal que há anos atrás jogaram no buraco do cachimbo. Verão porque o Brasil não foi potência do século 21, quando nós, há algumas décadas atrás, nos ufanávamos de dizer que assim seria, porque era o objetivo principal. Nós, militares, empurrávamos o Brasil para este ponto. É essa a tristeza; ver que a sociedade não apoiou, e ver que nós não temos o que dizer ao jovem oficial de hoje, pelo menos na Força Aérea Brasileira, que é uma arma altamente tecnológica.

É por isso que eu digo que hoje o ambiente no Campo dos Afonsos deve ter sido de profunda tristeza. Nossa aviação de transporte, que tanto fez pelo país, que tanto fez em apoio às forças de superfície, que levou socorro, que levou jornais, que levou notícias às populações desassistidas, colocadas no interior mais profundo do país, há tantos anos, que, com certeza, levou alguns dos senhores militares aqui, do Exército, da Marinha, com suas famílias, nos tempos de tenente, de capitão, as caronas como cadetes de um lado para outro nos períodos escolares... Essa Força Aérea de Transporte não existe mais. Mas pior é não existir o Correio Aéreo Nacional, o CAN que praticamente está desativado e ninguém, nenhum político deste país, pergunta o que é que aconteceu, e pior ainda, os prefeitos do interior, Tarauacá, Feijó, Sena Madureira, Xapuri, Brasiléia, esses campos todos onde a Força Aérea despendeu rios de dinheiro, as vezes até tirando da nossa alimentação para manter aquela linha, em assistência às populações, aos indígenas,ao Projeto Rondon, ninguém pergunta o que é que aconteceu, os aviões simplesmente pararam de ir para lá. E não será porque eles não precisam ir mais pois hoje a miséria está implantada nos grandes centros urbanos, e se assim ocorre imaginem o que não acontece naqueles longínquos rincões. Hoje mesmo, no telejornal "Bom Dia Brasil", de manhã, vi uma reportagem sobre uma senhora que morreu na porta de um hospital porque o aparelho da ressonância magnética estava em pane, e não tinha uma condução, uma ambulância, para levá-la a um outro hospital. Destruídos estão os hospitais, a educação, as vias terrestres, e de vez em quando alguém pensa em destruir também as vias aéreas, entregando o Departamento de Aviação Civil para um ministério qualquer destes, co-responsável pela destruição das outras malhas, ferroviária, rodoviárias e hidroviárias. .

Senhor Presidente, quando o Ministro Carvalho me passou essa incumbência, ontem, eu sabia que não ia ser bem sucedido naquilo que ele pretendia que eu dissesse. E não posso apenas agradecer a V Exª e aos companheiros a solidariedade que com certeza têm para conosco da Força Aérea Brasileira. A Marinha tem o prestígio da antigüidade, o Exército tem o prestígio do domínio territorial, a Força Aérea por ser nova não tem nenhum prestígio, mas o pior, não guardou o prestígio que devia ter guardado, nas mentes e corações dos brasileiros, por tudo que fez, nas asas do Correio Aéreo Nacional. Esse livro que V Exª tem nas mãos é um livro que merece ser lido por todos os brasileiros. Vale a pena que nós passemos para nossos filhos, nossos netos, para que tenham a noção daquilo que nós pudemos fazer e do muito que ainda poderíamos fazer pelo interior deste país, especialmente pelo interior amazônico.

Eu que fui um piloto de caça toda minha vida, tive um grande privilégio em certa época. Em determinado momento contraí uma ameba que me tirou da caça. Colocaram-me então, no Galeão, no Correio Aéreo Nacional. Foi um dos grandes privilégios. É evidente que fui para lá aborrecido, não queria sair, queria continuar na aviação de caça, porque aquilo é uma cachaça, mas fui bater no Galeão, onde tive a rara oportunidade de ali operar. Tudo isso eu digo não por ter lido no livro, digo porque voei duas mil horas em dois anos, em 61 e 62, e chegava em casa ao final daquelas missões de 20 dias a bordo de um correio, de um C-47, com um médico a bordo, com amostras grátis que apanhava onde pudesse apanhar, e chegava feliz de ter levado alguém que estava perdido, prestes a morrer, num interior daqueles, para um hospital mais próximo, numa cidade melhor, onde pudesse ter uma assistência médica. Voei no Projeto Rondon, voei em outros projetos, e hoje vejo que estamos parados.

Uma das minhas últimas atitudes, ainda como Comandante-Geral do Ar, e quando me lembro disso me emociono um pouco mais do que o devido, foi tirar a metade dos pilotos do vôo. Não tirar, pois levei para o Alto Comando e para o Ministro, e os surpreendi apontando a necessidade de que se parasse a metade dos aviões e que se tirasse do vôo a metade dos pilotos. Isso foi aprovado, porque viram que não havia outra solução, porque iriam parar todos, e em conseqüência iriam ser retirados dos vôos até os tenentes e capitães. Saí por aí Brasil afora, nas plataformas da Força Aérea, dizendo para a juventude que se tratava de uma medida provisória, apenas para arrumar a casa, pois voltaríamos à plenitude do nosso vôo, e a plenitude da assistência a este nosso país, o que até hoje não foi conseguido. Está aí o Ministro Ferolla, recém saído da Chefia do Estado-Maior da Aeronáutica, quanto sofrimento deve ter tido ao verificar que nada podia fazer, e que a volta à normalidade estava além dos seus esforços. Logo estará aqui o Ministro Lacerda, se Deus quiser, mas chegará também com esta frustração. Os nossos aviões estão obsoletos! Eles vão parar, daqui a cinco ou dez anos não haverá mais avião voando na Força Aérea Brasileira. Não temos mais indústria aeronáutica para nos socorrer.

O que poderiam fazer e não fizeram era terem se dedicado a colocar a EMBRAER pronta para fazer a aviação de transporte, substituindo os Búfalos, que vão parar, e os Bandeirantes, que praticamente já estão parando. Em cada unidade dessas, do interior, nós temos dois Bandeirantes para trinta tenentes, e é assim que a FAB está diminuindo, está morrendo sem que ao menos os antigos usuários dessa aviação venham em nosso socorro. Um dia, na iminência de uma grave crise, não só de um conflito, mas de uma calamidade todos então acordarão. Todos estávamos sempre disponíveis, tínhamos orgulho de atuar nas enchentes no sul, nas secas do Nordeste, nas intempéries da Amazônia, nós estávamos sempre prontos, ao lado dos navios da Marinha, que adentravam por esses rios, ao lado do Exército, que saía com suas missões sociais, nós estávamos sempre prontos para participar. Ainda em muitos lugares no Brasil não se chega que não seja de avião. Não acredito que nestas situações de calamidade, eles vão pagar à VARIG, à VASP ou à TRANSBRASIL para apoiá-los, e aí vão ver que alguém foi culpado, e, lamentavelmente, vão dizer que os culpados fomos nós, que não alertamos, por mais que tivéssemos alertado. Vão dizer que nós fomos displicentes, que nós ganhamos nosso dinheiro esse tempo todo como parasitas. Como de vez em quando dizem.

Senhor Presidente, mil desculpas por ter extravasado dessa forma, mas não posso aqui, no meio dos irmãos mais diletos que tenho, nesse encerrar da minha carreira militar, agora militar-jurídica, não podia deixar de externar esses pontos de vista todos, porque, com certeza, hoje à noite vou dormir um pouco melhor, por ter repartido com os irmãos essa minha angústia, que me persegue desde l994, quando tomamos aquela atitude antes de virmos para cá, quase paralisando a Força Aérea. Os Pilotos da Marinha e do Exército, quando terminam seus vôos voltam a ser infantes, voltam a ser submarinistas, etc. Mas nós na Força Aérea, o Tenente-Coronel que foi tirado do vôo, volta a ser o quê? Ele é aviador, ele não é mais nada, ele é retirado do vôo, ele é o quê? Um dia vão dizer que estes aviadores da FAB ainda estão ganhando gratificação de compensação orgânica sem voar e vão asssacar outras injúrias mais. As capas, os pasquins, e os folhetins estão aí para receber esse tipo de injúria grátis contra todos nós.

Senhor Presidente, Senhores Ministros, agradeço a palavra de V Exª, a lembrança que foi feita em meu nome, em nome do Ministro Carvalho e do Ministro Ferolla. Muito obrigado"